Publicado por Redação em Gestão do RH - 30/09/2021

Você é feliz no seu trabalho? Um conselho para ter felicidade e senso de propósito no que você faz



Qual a sua relação com o trabalho? Você é feliz no que você faz? Muitos dizem que a crise do coronavírus aumentou a importância de se discutir felicidade no trabalho(1). No entanto, precisamos atentar para o fato de as pessoas se sentirem infelizes no trabalho não é novidade: ouso dizer que talvez tenha sido assim desde que o homem se organizou no atual modelo de trabalho pós Revolução Industrial. De onde vem esse sentimento? Do sentido que o homem dá ao seu trabalho.

Em qualquer época, a infelicidade no trabalho está relacionada a um “esvaziamento” de sentido no próprio ato de laborar. Sempre que o homem almeja e faz algo que não busque sua própria excelência pessoal, conscientemente ou não, sentirá um vazio, um “algo que falta” para o seu sentido de missão ou propósito na vida. Nesse sentido, a felicidade é algo que se relaciona muito mais com a liberdade individual do que a qualquer evento externo ou época em que vivemos.

Nossa cultura ocidental está polarizada: de um lado, está repleta de regras e normas sobre como devemos ser, falar e nos comportar, ou seja, a era do “politicamente correto”. De outro, temos o relativismo máximo em que cada um é responsável por suas próprias regras, e praticamente tudo é tolerável, ou seja, a era do “meu ‘eu’, minhas regras”.

O efeito disso no mundo corporativo é um esvaziamento do conceito de ética. No trabalho, isso se torna sinônimo de respeito ao código de conduta, de obediência às regras da empresa. Se está nas regras, está certo, logo, é ético. É justamente aí que começa a confusão.

Uma explicação com mais de 170 anos: a supervalorização da lei

Na obra intitulada A Lei de 1850, Frédéric Bastiat, economista e jornalista francês, escreve justamente para alertar sobre a armadilha que uma sociedade pode sofrer ao inverter a ordem de conceitos. Já se passaram mais de 170 anos, mas ainda podemos traçar um paralelo interessante entre as regras estabelecidas e a felicidade das pessoas no trabalho.

Naquela época, os socialistas defendiam o papel do governo como resposta aos princípios liberais da Revolução Francesa e seu objetivo era denunciar o uso da lei de uma maneira distorcida, como instrumento para defesa da intervenção do estado em diversos âmbitos da vida das pessoas. Bastiat denuncia o esvaziamento do conceito de Justiça quando o conceito de lei é deturpado, ilustrado pela afirmação de que “se está na lei é legítimo, logo, é justo”. Ele diz: “temos todos uma forte disposição a considerar legítimo aquilo que é legal, a tal ponto que há muitos que falsamente deduzem da Lei toda a justiça.” (2)

Bastiat não queria criar nenhum tipo de revolta às leis, seu objetivo era justamente a boa definição do termo para defendê-lo: a lei deve impedir a injustiça, mas não é ela que determina o que é justo. Ele defende que a moral deve vir antes da lei. Em suas palavras, “sociedade nenhuma pode existir se nela não reina em algum grau o respeito pelas leis; porém o mais seguro, para que as leis sejam respeitadas, é que elas sejam respeitáveis.”(3)

Para o autor, o desvio que os socialistas fazem no uso da lei se dá por uma inversão de ordem: colocam a lei como anterior à personalidade, liberdade e propriedade, três princípios fundamentais do homem. De maneira bem simples e direta, Deus nos deu a vida e nosso objetivo neste mundo é mantê-la e aperfeiçoá-la. Somente seremos capazes de fazer isso por meio do uso de nossa personalidade, liberdade e propriedade. A lei, portanto, surge a partir daí: para manter esses direitos fundamentais de cada indivíduo, para fazer reinar entre todos o conceito de justiça de que todos os indivíduos têm direito a manter e aperfeiçoar sua própria vida sem ferir esses mesmos três princípios no outro. Nessa sociedade em que lei e moral estão ordenadas, a lei está a serviço do homem (personalidade), garantindo liberdade e propriedade.

A inversão começa quando o coletivo coloca a lei acima de alguma dessas características (personalidade, liberdade ou propriedade), utilizando-a para atacá-las com base em alguma lei promulgada. Quando o primeiro legislador, que obviamente está numa posição de poder frente aos outros, escreve e aprova uma lei que beneficia alguma causa específica, mesmo com boas intenções, acabará por ferir a personalidade, liberdade ou propriedade de alguém. Ou seja, está deturpando o conceito de justiça e instalando o caos: os beneficiados passam a defender tal lei; as vítimas atuais, quando chegarem ao poder, tentarão fazer novas leis para “defender seus direitos” perdidos, em nome de uma justiça cujo sentido original foi perdido ou esvaziado, caindo num círculo vicioso e complexo.

O autor francês, portanto, defende que a moral e a defesa da vida, liberdade e propriedade vem antes das leis. As leis devem estar a serviço desses princípios e da moral, essa é a garantia de uma sociedade livre, próspera e feliz.

Ética e a supervalorização das regras no mundo corporativo

O paralelo com o mundo do trabalho que fiz no início do texto é muito similar à reflexão de Bastiat: a supervalorização das regras esvazia o conceito de ética em seu sentido original.

Hoje, quando se fala em ética, as pessoas tendem logo a complementar a palavra: ética em alguma coisa, em algum lugar, por exemplo, ética no trabalho, ética na política, ética no relacionamento. Trata-se de um uso perigoso e errôneo, pois alguém mais distraído pode considerar que existem várias éticas, enquanto só existe uma ética, esse conceito é uma coisa só – não é possível ser ético num ambiente, mas não em outro. Uma pessoa deve ser ética em todas as instâncias da vida.

Ética é uma virtude de comportamento, um ato de vontade do ser humano, uma escolha que fazemos em relação a seguir um padrão de conduta moral. Para se falar em moral, é necessário trazer o conceito de caráter, que é a prática das virtudes humanas. Um sujeito de caráter é aquele que molda sua moral por meio da prática de hábitos virtuosos.(4)

Assim, ética é algo que intencionalmente qualquer um pode aprender, querer melhorar e desenvolver pela prática diária. Virtude é um hábito e adquire-se pela ação e repetição: não será apenas um ato que o tornará virtuoso, mas sim um padrão de comportamento na maior parte do tempo. Para ser um sujeito de caráter, você deve alinhar as suas ações a uma boa moral.(5)

No mundo corporativo atual, caímos na armadilha de chamar de ética as ações guiadas apenas por normas e regras, enquanto, ética em seu sentido pleno é guiada pela moral e prática das virtudes. Desse modo, uma ética guiada por normas julga uma ação como certa ou errada se está em conformidade com elas. Já a ética guiada pelas virtudes avalia uma ação não em termos de certo ou errado, mas de se me aproxima ou afasta de uma perfeição moral de conduta.(6)

Mas e a felicidade? A relação saudável entre ética e trabalho

As regras devem estar a serviço das virtudes; a inversão dessa ordem é justamente a raiz da infelicidade ou a falta de sentido no trabalho. É comum ouvir funcionários afirmarem que estão sendo éticos no trabalho porque cumprem os acordos definidos no código de conduta da empresa.

Assim como Bastiat não eliminava a importância da lei, também não quero negar a validade das regras no mundo corporativo, ou desprezar a existência de um código de conduta. Pelo contrário, considero esses elementos necessários para orientar o comportamento alinhado com a cultura da empresa; no entanto, não podem ser o fundamento da ética individual. E mais: creio que todo mundo irá concordar comigo quando afirmo que seguir as regras não é nenhuma garantia de felicidade.

O código de conduta das empresas diz o que se espera do profissional, porém a felicidade está no âmbito do indivíduo, é pessoal, e ele é responsável por conquistá-la. É aí que vemos o esvaziamento que comentei, em que as pessoas sentem a falta de um sentido de missão ou propósito no que fazem, dizendo-se frustradas e infelizes.

Regras são arbitrárias e podem ser modificadas, enquanto as virtudes são princípios inalteráveis da natureza humana e sua prática visa alcançar a excelência humana, justamente um dos caminhos para sermos felizes.(7) Como Bastiat também mencionou há mais de 170 anos, Deus nos deu a vida e faculdades para a preservamos e evoluirmos enquanto sociedade. A felicidade é resultado da nossa evolução enquanto pessoas. Se tivermos uma missão, sentimos que estamos contribuindo para nós mesmos, para o outro, e para o mundo.

Isso só é possível se perseguirmos a excelência pessoal, desenvolver nosso caráter e faculdades para o bem. O trabalho ganha novo sentido se soubermos nos deixar conduzir pela ética da moral, entendendo as regras apenas como lista de “dicas” para o bem agir – feita por outros que já trilharam esse caminho e querem “encurtar” o caminho para outras pessoas alcançarem sucesso. Regras ou códigos, dessa forma, estão a serviço da moral e da excelência humana, na ordem correta. Nesse contexto, o trabalho torna-se um meio, um caminho para a busca da excelência pessoal e, consequentemente, da felicidade – tanto no trabalho quanto na vida.

*Camila Assis Martins, Mestre em Administração pela FEA-USP, formada em Comunicação pela PUC-Rio e prospect do IFL-SP, é Diretora da BTS, consultoria com foco no desenvolvimento humano e formação de liderança para a execução da Estratégia.

Referências:

(1) https://economia.estadao.com.br/noticias/sua-carreira,felicidade-tem-efeito-domino-na-saude-mental-e-ganha-espaco-em-empresas,70003730990 . Acesso em 20 de junho de 2021


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