Publicado por Redação em Notícias Gerais - 27/08/2015
Um política econômica devastadora
O Brasil atravessará dois anos de retração, apontam as estimativas, fenômeno que não ocorria desde 1930
A divulgação pelo Banco Central na sexta-feira 14 de que a variação negativa do PIB deste ano, prevista em 2,01%, provavelmente será seguida por um decréscimo também em 2016, de 0,15%, mostra o efeito devastador da política econômica decretada pelo governo em dezembro, com o ajuste fiscal e o contínuo aumento dos juros. Confirmadas as previsões, será a segunda ocorrência de PIB negativo por dois anos consecutivos na história do País.
A primeira foi em 1930 e 1931, durante a Grande Depressão mundial, com quedas de 2,1% e 3,3%, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Para o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a possibilidade da sequência de PIBs negativos não significa um fracasso do ajuste fiscal. Antes, o contrário, como disse no mesmo dia da divulgação do dado do PIB de 2016, em evento na Câmara Americana de Comércio, em São Paulo: “A economia brasileira está se reequilibrando”.
Depois da redução, anunciada em 22 de julho, da meta do superávit primário neste ano, de 66,3 bilhões de reais (1,19% do PIB) para 8,75 bilhões (0,15%), a previsão de retração econômica em 2016 foi a maior evidência de insucesso das medidas de austeridade do segundo governo de Dilma Rousseff, desencadeadas em dezembro.
Acrescente-se a queda da arrecadação da Receita Federal por quatro meses consecutivos até julho, mês em que o declínio real atingiu 7,34% em comparação a junho e 3,13% em relação a julho do ano passado, pior resultado desde 2010. A previsível redução da receita de impostos surpreendeu o Ministério da Fazenda e essa reação aumentou as dúvidas sobre a capacidade de dosagem das medidas de austeridade sem causar danos graves.
A estimativa de queda do PIB no próximo ano foi captada pelo BC na sondagem semanal feita com as 120 instituições, principalmente financeiras, consultadas sistematicamente pela autoridade monetária. Representativas do chamado mercado, apoiaram enfaticamente o ajuste fiscal no seu lançamento. Hoje enfrentam o risco de inadimplência e de insolvência dos tomadores de crédito.
O governo não entendeu as projeções sombrias para 2016 como um ultimato para adotar outra política econômica, centrada na retomada dos investimentos públicos e privados e na geração de empregos. Mais uma vez, rendeu-se parcialmente aos fatos com uma medida pontual, a canalização de crédito ao setor produtivo.
A Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil anunciaram financiamentos de ao menos 14 bilhões para capital de giro e investimentos na indústria automobilística, no agronegócio e em cadeias exportadoras. Empresas integradoras, como é o caso das montadoras, financiarão suas cadeias produtivas. A concessão de crédito está vinculada à manutenção de empregos, mas a medida emergencial é mais elaborada que a anterior, focada nos fabricantes de automóveis.
A preocupação com a manutenção dos empregos justifica-se plenamente, mostra a nova queda da ocupação, de 7,5% em julho, divulgada na quinta-feira 20 pelo IBGE. A taxa, a mais elevada para o mês desde 2009, segue-se à redução de 6,9% em junho e é substancialmente superior àquela de um ano atrás, de 4,9%. Em 12 meses, a população desocupada aumentou em 662 mil indivíduos. O rendimento real mensal caiu 0,3% de um mês para o outro e 2,4% em relação ao de julho do ano passado.
A situação da economia espelhada na estimativa de dois anos de PIB abaixo de zero explica a convergência, nas últimas semanas, de políticos, empresários e meios de comunicação na defesa de um entendimento para deter a piora ininterrupta das expectativas políticas e econômicas. A escalada, parecem admitir, põe em risco a estrutura produtiva e afeta o funcionamento das instituições. Se o reconhecimento do óbvio dá algum fôlego ao governo, a insistência em um ajuste fadado ao insucesso é garantia de novos problemas no horizonte.
“Se não ocorrer um milagre exportador, algo altamente improvável na situação da economia mundial, não há outro jeito, será preciso adotar uma política fiscal anticíclica. Se for para aumentar a dívida pública, é melhor fazê-lo revertendo uma espiral negativa do que a aprofundando”, defende o economista Pedro Paulo Zahluth Bastos, professor da Unicamp. É difícil adotar essa orientação nas atuais condições políticas, mas o adiamento pode provocar danos maiores à economia. “Não quero parecer alarmista, mas os cortes do Tesouro e a política do BC podem colocar em risco a estabilidade bancária.” Até 2016, a continuar nessa toada, bancos pequenos podem sofrer, prevê o economista. Não é o mais provável, mas existiria essa possibilidade.
A alternativa ao ajuste “seria dar ênfase no consumo de bens públicos e nos investimentos públicos, comprovadamente com efeitos multiplicadores muito mais eficazes sobre a renda. Seria como aplicar uma injeção na veia do doente, em vez de ministrar um remédio via oral de efeito duvidoso”, compara Luiz Fernando de Paula, professor da Universidade Estadual
do Rio de Janeiro. Para o economista, “essa ideia de ‘consolidação fiscal expansionista’, ou seja, de que a melhora nas expectativas dos agentes por conta do ajuste fiscal leva a um aumento da confiança e a um aumento nos gastos de investimento, não tem muita sustentação empírica”.
Ajustes fiscais são bem-sucedidos em termos de crescimento quando acompanhados por outro fator expansionista, como uma redução dos juros ou uma desvalorização na taxa de câmbio. Esta aconteceu, em alguma medida, nos últimos meses e “deu algum efeito, mas ainda é insuficiente”. A recuperação da recessão de 1981, 1990 e 2002 foi favorecida pela melhora no cenário externo. O País teria de contar, mais uma vez, com boas perspectivas para as exportações, mas isso “dependeria de uma retomada mais forte da economia americana e um eventual aumento do crescimento da economia chinesa, o que é improvável”.
A manutenção da política econômica atual diante de inúmeras evidências da sua falta de êxito se deveria à “visão ortodoxa, convencional, que a mídia reproduz à exaustão e segundo a qual haveria um excesso de demanda na economia, evidenciado pela elevação dos índices de preços acima da meta e pelo assim dito estouro das contas públicas”, acredita Leda Paulani, professora da Universidade de São Paulo. Segundo esse enfoque, se há excesso de demanda, é necessário esfriar a economia para os preços e as contas públicas voltarem ao lugar. “O raciocínio é completamente contraintuitivo, porque a economia está em trajetória de desaceleração ao menos desde 2013.”
A política de juros altos praticada nas últimas décadas tem papel relevante nas dificuldades atuais. “Objetivamente, há também a questão de que, depois de mais de duas décadas de política de juros injustificadamente elevados, o rentismo acaba por prevalecer, mesmo no setor produtivo.”
Chama atenção o fato de o governo não contemplar caminhos alternativos como a tributação de lucros e dividendos, tema de projeto retirado pela senadora Gleisi Hoffmann por pressão, ao que se diz, do PMDB. No congresso do PT realizado recentemente, falou-se em retorno da CPMF, mas aquele tema passou longe das discussões.
O máximo contemplado, em tese, pela base aliada, a julgar pelo noticiário, é o imposto sobre grandes fortunas, de difícil aplicação, fácil evasão e equivalente a apenas 20% da receita de uma eventual tributação sobre lucros e dividendos, em um total entre 40 bilhões e 60 bilhões de reais, de acordo com algumas estimativas. Um valor equivalente à maior parte do esperado com o ajuste fiscal, implantado com grande sacrifício para o País, especialmente para a parcela mais vulnerável da sociedade.
*Reportagem publicada originalmente na edição 864, com o título "A vaca fica no brejo"
Fonte: Revista Carta Capital