Publicado por Redação em Mercado - 28/03/2024

Stock options: como a discussão sobre planos de compra de ações foi parar na Justiça?



Alvo de discórdia entre o governo federal, de um lado, e empresas e executivos, do outro, as stock options entraram de vez na mira do Judiciário e do Legislativo. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu criar uma jurisprudência sobre o tema, que deverá ser seguida por instâncias inferiores, enquanto o Congresso Nacional discute o assunto por meio de um projeto de lei (PL) que já foi aprovado no Senado Federal, mas está parado na Câmara dos Deputados desde setembro.

Formada por 9 dos 33 ministros do STJ, a 1ª Seção decidiu por unanimidade “afetar” dois recursos especiais (REsps. 2.069.644 e 2.074.564), para definir a natureza jurídica dos planos de opção de compra de ações de empresas (stock option plan): se eles são atrelados ao contrato de trabalho – e, portanto, fazem parte da remuneração – ou se o contrato assinado entre a empresa e o profissional é estritamente comercial (a controvérsia 573 do STJ).

Tema 1.226 é de extrema relevância para o mercado financeiro e empresas de capital aberto, além de executivos do C-level, pois a decisão do tribunal vai determinar qual deve ser a alíquota aplicável do Imposto de Renda (IR) a ser pago, assim como o momento de incidência do tributo: se na compra das opções pelo trabalhador ou se depois de vender essas ações – e, neste caso, apenas se houver ganho de capital na transação (ou seja, se o papel valorizar no período). A discussão envolve, portanto, decidir se a alíquota do IR deve ser de 15% na venda das ações, apenas sobre o acréscimo de patrimônio, ou se deve seguir a tabela progressiva, que pode chegar a 27,5% (para valores acima de R$ 4.664,68), já no recebimento da opção de compra (e sobre todo o valor).

“É um tema que chama muito a atenção das empresas e dos executivos por ser uma forma de atrair e manter talentos”, afirma Mariana Arello, advogada tributarista do escritório Briganti Advogados, sobre as stock options. Ela destaca que a jurisprudência tem viés favorável aos contribuintes na Justiça do Trabalho (de que o contrato é comercial, não parte da remuneração), mas ocorre exatamente o contrário nas ações julgadas no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão ligado ao Ministério da Fazenda.

Em geral, as decisões trabalhistas entendem que as stock options não são remuneração, porque o contrato envolve riscos (veja mais abaixo). Já a União defende que o caráter é, sim, remuneratório, e, por isso, envolve também uma questão tributária (que é analisada pelo Carf, não pela Justiça do Trabalho). Para o governo federal, inclusive, a forma de recolhimento — e a quantidade de impostos pagos — está errada.

IR sim, INSS não?

A alegação é que os executivos não só deveriam pagar IR no momento em que recebem as opções de compra de ações da empresa, antes mesmo de usufruir de seus benefícios, mas também contribuir ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A Receita Federal também entende que a empresa deve recolher, além do INSS do empregado na fonte, uma contribuição previdenciária de 20% sobre o valor, que, em sua visão, faz parte da folha de pagamentos.

 

Ao destacar o tema para analisá-lo sob recurso repetitivo, o STJ afirmou que a controvérsia “tem gerado multiplicidade de processos” e “ampla divergência no âmbito das Turmas do TRF3” (Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com sede em São Paulo). Disse também haver decisões contraditórias nos TRFs 1 (Distrito Federal) e 2 (Rio de Janeiro), “o que sinaliza a necessidade desta Corte Superior exercer seu múnus de dissipar a divergência interpretativa da norma federal”, e que elas têm levado “à interposição de inúmeros recursos especiais e trazendo riscos para a segurança jurídica, isonomia, proteção da confiança e a própria racionalidade da jurisdição superior”.

O relator no tribunal é o ministro Sérgio Kukina, que decidiu restringir o julgamento apenas à questão do IR, pois, em sua opinião, não há suporte “fático-jurídico” para “se debater a incidência da contribuição previdenciária sobre tais valores”. Seu voto foi seguido pelos outros magistrados da 1ª Seção, que também decidiram, por unanimidade, suspender a tramitação de todos os processos pendentes sobre a questão, individuais ou coletivos, em todo o território nacional. A decisão afeta mais de 500 processos judiciais, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

Luciana Figueiredo Rocha, advogada de direito tributário do Machado Meyer Advogados, também aponta um viés desfavorável do Carf sobre o assunto, que acaba levando os contribuintes ao Judiciário, para recorrer de autuações da Receita. Mas destaca que o Ministério Público Federal (MPF) se manifestou no STJ dizendo que se trata de uma relação comercial, e, para isso, se apoiou em decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e em uma da Câmara Superior do próprio Carf, que decidiu por unanimidade a favor de um contribuinte.

“No Carf, o viés era mais desfavorável mesmo. Há decisões favoráveis, claro, mas a maioria era contra os contribuintes — ao contrário dos TRFs, onde vemos um cenário mais favorável e os contribuintes conseguem demonstrar que não é remuneração. Até que veio essa decisão da câmara superior do Carf, que focou que o ganho [do executivo] não é definido pela empresa, mas pelo mercado acionário como um todo. E que há fatores macroeconômicos envolvidos na definição do ganho, como taxa de juros e inflação. Há fatores externos que definem o valor”.

Tem risco ou não?

Empresas, executivos e advogados batem exatamente nessa tecla: que as stock options são uma oportunidade de investimento, pois envolvem riscos, e que a opção de compra representa apenas uma “expectativa de direito”. Dizem também que o negócio pode ou não ser realizado, a depender das condições previstas no contrato (por exemplo, um executivo pode deixar a empresa antes do período de “carência” para o exercício da opção e perder o direito aos papéis), e que há imprevisibilidade no valor futuro das ações. Outros dois pontos ressaltados são que a adesão ao plano é voluntária e oque beneficiário tem de pagar pela participação da empresa. Por tudo isso, a ideia de remuneração por serviços prestados deveria ser descartada.

Tatiana Chiaradia, sócia de contencioso tributário do Candido Martins Advogados, questiona a interpretação da Receita. “O executivo não recebe stock options todo mês. É um acordo profissional para que ele fique na empresa, exerça seu trabalho da melhor forma possível e tenha um retorno profissional no futuro”, afirma a advogada. “Ele não trabalha e recebe a ação, e não tem uma constância de pagamentos. Só aí já afasta a habitualidade. É por isso que, quando a Justiça do Trabalho olha para esse pacote [de benefícios], não vê uma relação de trabalho”.

A advogada destaca que, quando um stock option plan é assinado, “a empresa está fazendo uma aposta e o profissional está apostando junto”. “Aí é que está o risco. O executivo está acreditando que o negócio vai crescer e, no futuro, ele vai se beneficiar”, afirma Chiaradia. “Existem planos mal feitos, que não têm contrapartidas, e daí fica muito característico que houve um desvio do instituto. Mas, em geral, o acordo é uma parceria de longo prazo, em que as duas partes entram juntas no risco. Às vezes dá certo, mas tem vezes que não dá”.

Do lado das empresas, os planos de compra de ações dão a possibilidade de executivos, diretores e alguns empregados obterem lucros com a valorização da companhia em que trabalham — o que contribui para a permanência dos participantes e sua dedicação no crescimento do negócio.

Um dos recursos analisados pelo STJ envolve a Qualicorp (QUAL3), operadora de planos de saúde que tem mais de 1,8 mil funcionários e 2,3 milhões de clientes e foi autuada pela Receita. A empresa venceu no TRF3, mas a União recorreu à Corte Superior, alegando que aquele stock option plan tem uma cláusula que determina, como pré-requisito, que o titular tenha vínculo de emprego, e que ele não era válido para todos os funcionários — mas só para diretores e executivos de certos níveis gerenciais, escolhidos pela Qualicorp. Destacou também a habitualidade no exercício de opção de compra e venda das ações, que era vinculado à permanência do beneficiário na empresa, e que não havia risco no exercício da opção, pois o preço era pré-estabelecido, em valor vantajoso ao beneficiário.

O governo afirma que o plano da Qualicorp tem “caráter remuneratório” e “evidente natureza de acréscimo patrimonial” e sustenta que a remuneração não ocorre na venda das ações, mas “no momento do exercício da opção de compra de ação, quando os lotes de ações são adquiridos por valor abaixo do valor de mercado”.

Por isso, defende que o recebimento é “o fato gerador do tributo em questão, fazendo incidir a contribuição previdenciária patronal e o Imposto de Renda sobre o acréscimo patrimonial auferido pelo beneficiário, à guisa de rendimento laboral” — ponto que o relator Sérgio Kukina deixou claro que não será analisado neste julgamento. Procurada, a Qualicorp disse que não vai se pronunciar.



Fonte: InfoMoney (Lucas Sampaio)


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