Publicado por Redação em Saúde Empresarial - 09/04/2015

Saúde pública e privada: quem vive as duas realidades aponta os pontos fracos e fortes

Segunda edição da série 'O papel da Saúde Suplementar' ouve especialistas sobre perfil globalizado

Na segunda edição da série O papel da Saúde Suplementar na desoneração do setor público, que apresenta um panorama da Saúde privada no país, o presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, Jorge Darze, traça um perfil global da medicina pública e privada no Brasil. Ele identifica os fatores que levam à interdependência entre os setores, com os seus pontos favoráveis e vulneráveis.

Veja a edição anterior da série:

Saúde suplementar assume importante função na desoneração da rede pública

O médico sindicalista lembra que a Saúde Suplementar foi regulada pela Lei n 9.656, de 1998, já que antes o sistema vigorou mais de 30 anos durante o regime militar sem qualquer tipo de legislação. Muitos dos direitos conquistados nesta época foram resultados de ações judiciais.

Na visão de Darze, a atuação do Senado foi insatisfatória e não atendeu plenamente às expectativas dos associados. “Tanto que a mesma Lei criou a ANS para dirimir os conflitos desta relação triangular formada por usuários, empresas de medicina de grupo e seguradoras e prestadores de serviço, com os médicos e instituições”, disse Darze. No entanto, ele pondera que a agência nunca conseguiu acabar com os impasses do setor e a maioria das demandas foi parar no judiciário. “Muitos dirigentes da agência, infelizmente, são egressos da saúde suplementar. Então, embora seja um órgão com um papel social importante, tem deixado a desejar no seu papel de dirimir os conflitos entre as partes”, avalia.

Darze é muito incisivo quando afirma que a deficiência da ANS se dá pela posição que o órgão vem assumindo desde a sua criação e descarta qualquer ineficiência causada pela crescente demanda de associados aos planos nos últimos anos. “Muito tolerante com os planos e insensível com os médicos e usuários”, dispara o sindicalista se referindo a atuação da agência.

Os “conflitos” citados por Darze têm como origem inaptidão do setor em se adaptar a crescente demanda de pacientes, o que levou ao atendimento fora dos padrões de lógica e dinâmica propostos. Demora na marcação de exames, dificuldades nas internações e falta de ressarcimento de próteses e órteses são apenas algumas das deficiências que estimularam os associados a buscar a ajuda do judiciário. “Um sistema que foi criado justamente para se constituir uma opção em que a população pudesse ter um atendimento diferenciado, na prática, isso não tem acontecido pelas dificuldades existentes”, destaca Darze.

No ponto de vista da satisfação dos prestadores de serviço, Darze diz que o setor também acumula sérios problemas entre médicos e empresas. “São relações de trabalho ‘leolinas’, extremamente conflitantes, são remunerações aviltantes. Isso não pode dar bons resultados”, ressalta. Parte das insatisfações teve solução através da Lei 13003, sancionada em 2014, que passou a obrigar os planos de saúde a efetuar contratos de trabalho com a classe, no lugar de acordos de adesão. “Como é uma Lei nova, ainda não conseguimos os resultados esperados, tanto que estamos chamando o Ministério Público do Trabalho para nos ajudar nestas negociações. Mas os médicos estão longe de conseguir um ambiente de trabalho favorável para exercer plenamente a sua profissão”, conta o sindicalista.

Que a saúde suplementar é legítima e necessária para o país, Darze não tem dúvidas, mas ele defende mudanças para equilibrar a funcionalidade dos dois sistemas – público e privado – no país. “Se o SUS [Sistema Único de Saúde] fosse um extremamente competente, como era no passado, todos os planos seriam reduzidos. Eles só prosperam na falência do sistema público”, considera o médico. Pela a contabilidade do sindicato, o que a medicina privada gasta é similar ao que o SUS empenha para atender cerca de 200 milhões de pessoas, contra 51 milhões de associados dos planos.

“De certa forma, os planos amenizam um pouco os efeitos do caos do setor público. Mas digo que estes reflexos são singelos, porque a alta complexidade, como os acidentes de trânsito, os casos demandam gastos excessivos e ainda continuam sendo atendidos pelos SUS. E o plano de saúde não vai depois fazer nenhum tipo de repasse para cobrir as despesas de emergência com aquele paciente. O mesmo acontece com as cirurgias do coração, transplantes de órgãos. Esses casos mais caros, majoritariamente, são feitos pelo setor público”, explica Darze.

A relação entre lucratividade dos planos de saúde e remuneração dos prestadores do serviço é um dos fatores que maior tenciona e polemiza o setor. Darze chama a atenção para o crescimento de muitos planos, como prova cabal dos seus lucros. “Os valores que são repassados pelos planos para os prestadores de serviço, tanto instituição quanto para o médico, são aviltantes, que não representam a responsabilidade desses profissionais no trato com os pacientes”, destaca.

Para o sindicalista, as planilhas são “desiguais”. “Enquanto eles [planos de saúde] aumentam, periodicamente, ou os planos coletivos negociados com as empresas, ou os individuais com percentuais estabelecidos pela ANS, são honorários médicos e diárias hospitalares aquém com que eles têm como garantia de reposição dada ao pela negociação com a empresa ou com a ANS”, considera o médico.

Ele ilustra essa relação comercial comparando com um “vértice de um triangulo”, colocando a saúde suplementar em seu topo. “Ou seja, os planos estão sempre em uma situação vantajosa. E a ANS não age no sentido de tornar esse quadro equilibrado”, critica Darze.

 

Na visão de quem vive as duas realidades: o público e o privado

O presidente da Sociedade de Mastologia do Ceará, Ercio Ferreira Gomes, estima que menos de 30% do arrecadado pelas operadoras é destinado aos médicos. “Nesta briga desigual, o médico é o que menos recebe e tem que trabalhar insatisfeito ou com grandes volumes para compensar a baixa remuneração, o que reflete no seu atendimento”, disse ele.

Atuando nos dois setores, Ercio relembra que há alguns anos não havia saúde suplementar, mas somente o sistema público e os atendimentos particulares, o que pode inspirar a reestruturação das redes para benefícios dos usuários e dos prestadores do serviço no país. “O SUS pode incrementar os procedimentos de alta complexidade, os quais eles já tem, como quimioterapia, radioterapia. A parte básica de consulta pode ser feita pelo plano, que na soma final pode sair muito semelhante para o usuário. Se ele tiver um hospital de alta complexidade pelo SUS, não irá precisar do plano para os procedimentos de rotina”, sugere o mastologista.

O oncologista Geraldo de Queiroz conhece as duas realidades na sua peregrinação profissional. Todos os dias de manhã, ele entra em um hospital público de Goiânia para atender pacientes do SUS, mas na parte da tarde, ele recebe os usuários dos planos que procuram o seu consultório particular. "Um salto que você dá em um rio de uma margem para a outra", compara ele. A saúde pública no estado enfrenta uma crise que toma volume a cada dia, com o setor sufocado por problemas como a escassez de materiais, medicamentos e equipamentos sucateados.

“Hoje em dia, a forma possível das pessoas terem acesso a uma medicina mais próxima da realidade do mundo, com exames mais sofisticados, é saúde suplementar, além de permitir o acesso à área de saúde nos seus vários aspectos, especialistas”, diz Queiroz. Para ele, o vilão do setor, atualmente, são os preços. “A área da saúde tem uma inflação própria, bem diferente da inflação global do país. Isto não é contemplado por essa agencia [ANS]”, opina o médico. Queiroz atribui a este fator as várias dificuldades que a medicina suplementar enfrenta. “A gente [prestadores de serviço] teria que ter um planejamento de saúde com reajustes dos honorários médicos, de exames, que está muito defasado.

E o que a gente escuta desses planos de saúde é ‘mas a tabela que temos é da Associação Medica Brasileira’. Essa tabela é de 2005, 10 anos, tivemos muito pouco reajuste, o que cria as dificuldades para os médicos e usuários. Fica difícil para o profissional manter um padrão de medicina que o paciente tem direito com um ganho incompatível”, analisa ele. Em algumas regiões de Goiânia, segundo o oncologista, ainda é possível manter um padrão de atendimento, mas a marcação de um exame simples pode demorar até 30 dias. “Não estou me referindo a um exame sofisticado, mas um simples ultrassom, ou uma mamografia. A gente encontra este cenário. Realmente, a medicina pública precisa de um grande avanço, pois ela é a oficial para os pacientes no país, a outra opção é apenas complementar”, destaca ele.

Fonte: Jornal do Brasil


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