Publicado por Redação em Gestão de Saúde - 10/08/2019

Papanicolau está com os dias contados e será substituído por teste de HPV?



Desenvolvido há mais de 80 anos pelo médico grego George Papanicolaou, o exame conhecido como papanicolau revolucionou a saúde da mulher. O teste é um dos procedimentos mais exitosos da medicina moderna. Segundo especialistas, sua adoção sistemática, a partir dos anos 1940, foi responsável por uma queda de 70% na incidência de câncer de colo de útero no mundo.

Realizada periodicamente, a análise citológica do trato vaginal permite acompanhar alterações importantes nas células e detectar o surgimento de lesões imperceptíveis, ainda em fase inicial. Estudados e tratados precocemente, esses problemas podem regredir e evitar o surgimento de um tumor invasivo no futuro.

Porém, em países como Austrália, Inglaterra, Holanda e Estados Unidos, o papanicolau está com os dias contados. Em vez do incômodo esfregaço, que coleta material do colo do útero da paciente para análise, ginecologistas passaram a analisar secreções e tecido vaginal em nível molecular, na chamada captura híbrida --em que o material é recolhido com uma espécie de escovinha. Mais simples de ser feito, esse exame testa a presença do causador de mais de 90% das lesões que levam ao câncer de colo de útero: o vírus HPV (veja aqui 10 doenças provocadas pelo HPV).

No Brasil, a proximidade do fim do papanicolau como exame preventivo já é uma realidade ao menos em Indaiatuba (SP). Um projeto-piloto da Secretaria de Saúde da cidade, em parceria com a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e o grupo farmacêutico Roche, tem oferecido o teste de DNA do HPV para todas as mulheres cadastradas no SUS (Sistema Único de Saúde). Graças a isso, desde 2017 não se faz mais papanicolau preventivo no município do interior na rede pública.

Outras vantagens do teste de HPV

"O papanicolau tem chance de falha. O teste de HPV, não", afirma Julio Cesar Teixeira, professor e diretor de oncologia do Hospital da Mulher da Unicamp, responsável pela criação do projeto-piloto em Indaiatuba. A captura híbrida ainda é capaz de identificar 18 tipos de papiloma vírus humano (HPV). Em caso de resultado positivo (que ainda pode ser refinado com realização de uma biópsia), o exame ajuda o especialista a determinar o melhor tratamento, já que nem todos os HPV geram tumores.

O papanicolau, por sua vez, é um exame insuficiente quando a paciente chega ao consultório com algum tipo de alteração na região do colo do útero. Ele sinaliza que existe problema, mas não identifica qual é. Assim, precisa ser complementado com outros exames, como a colposcopia.

Um vírus que está em toda parte

O HPV é transmitido no sexo oral, genital e anal. Na maioria das vezes, indivíduos adultos saudáveis contraem o vírus e o eliminam naturalmente, antes de surgir qualquer sintoma, pois o sistema imunológico combate o micro-organismo invasor.

"É consenso entre os médicos que quase todas as pessoas sexualmente ativas entraram em contato com o HPV ao longo da vida, e a maioria sequer notou", explica Teixeira.

Para o médico, Indaiatuba pode servir de modelo para a criação de um novo programa de rastreamento do vírus e combate ao câncer de colo de útero. Ele acredita que encarar o problema do ponto de vista epidemiológico é importante para pensar em estratégias de saúde pública, controlando a evolução das lesões e reduzindo, na ponta, os casos da doença.

"É verdade que o número de casos de câncer de colo de útero vem caindo no Brasil, e a mortalidade também, mas essa queda é muito lenta. Por uma série de razões, as mulheres que mais precisam não têm acesso ao papanicolau, nem mesmo nas capitais. Ainda vai demorar muitos anos para uma redução significativa do problema."

O papa não é pop no Brasil

O câncer de colo de útero é o segundo tipo de câncer mais comum entre as mulheres. No Brasil, estima-se que 16 mil novos casos sejam diagnosticados a cada ano.

A recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde), adotada pelo Ministério da Saúde, é que mulheres em idade reprodutiva realizem o exame papanicolau com frequência anual, nos dois primeiros exames. Se e ambos o resultado vier negativo, a rotina preventiva deve ser feita de três em três anos.

Embora o Ministério da Saúde forneça material para a realização do papanicolau para cobrir 80% da população feminina entre 25 e 59 anos, o exame é feito em excesso nas capitais e de forma escassa nas periferias e na região Norte. Assim, a cobertura real cai para 15% --em algumas capitais, chega a 30%.

Pela experiência de José Eluf Neto, professor de medicina preventiva, especialista em epidemiologia de neoplasias e diretor da Fundação Oncocentro de São Paulo, a maioria das mulheres brasileiras só procura uma unidade de saúde quando já apresenta sintomas, como dor e sangramento na relação sexual ou corrimento com odor forte.

"Ninguém morre de pré-câncer. O HPV precisa persistir por longo tempo no corpo, de 10 a 15 anos. E ele é rapidamente detectável no trato genital, logo que a mulher começa sua vida sexual é possível verificar sua presença e tratar o que for necessário. Ou seja, há um período extenso para que a paciente procure o exame preventivo. A verdade é que quem morre de câncer de colo de útero no Brasil é quem nunca fez papanicolau, ou quem o fez uma vez na vida", diz Eluf Neto.

Vacina: chance de erradicar o HPV entre os mais jovens

Um estudo do Ministério da Saúde finalizado em 2018 sobre a prevalência nacional de HPV no Brasil revelou que mais de 53% dos jovens brasileiros de 16 a 25 anos vivem com o HPV. Entre eles, 30,9% apresentaram HPV de alto risco.

Para os especialistas entrevistados, a vacina contra o vírus, uma das grandes apostas da medicina para reduzir sua circulação, poderia fazer a incidência de câncer de colo de útero despencar nos próximos anos. A primeira vacina contra o HPV foi disponibilizada em 2006, após três décadas de pesquisas.

Apesar dos estigmas culturais --falar de sexualidade para crianças em idade escolar é tema controverso, carregado de preconceitos, medo e vergonha --, Ruanda, nação africana que passou por um genocídio de proporções apocalípticas nos anos 1990, pode se tornar em breve o primeiro país do mundo a erradicar o câncer de colo de útero. Uma campanha de vacinação bem-sucedida a partir dos anos 2010 conseguiu convencer mães e pais a imunizar suas filhas pré-adolescentes. Os meninos também participaram da campanha.

Adotada pelo SUS desde 2014, a vacina em duas fases chegou a proteger quase 100% das meninas de 9 a 14 anos, mas apenas 51% delas voltaram para tomar a segunda dose. A baixa adesão dos jovens preocupa os oncologistas --uma pesquisa do hospital A.C. Camargo, em São Paulo, detectou que 75% dos casos de câncer de amígdalas entre os jovens estão relacionados ao vírus. Esse índice era de 25%, dez anos atrás.

"Para ter um impacto, é preciso que a cobertura vacinal chegue a 80%", afirma Julio Cesar Teixeira. Indaiatuba tem promovido a vacinação nas escolas, entre meninos e meninas de 9 e 10 anos. "Na cidade, 83% das crianças estão imunizadas. Em 2030, a ideia é que não se detecte HPV nos moradores do município."

"Fazer a vacinação coincidir com o calendário escolar seria o melhor dos mundos, mas estamos vivendo tempos bem complicados. O movimento antivacinas cresce em todo o mundo. O que precisa ser dito é o seguinte: uma mulher de 45 anos morre a cada 90 minutos por câncer de colo de útero no mundo, e nós sabemos como isso pode deixar de acontecer", diz José Eluf Neto.


Fonte: VivaBem


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