Publicado por Redação em Previdência Corporate - 18/08/2014

Os Montepios e a Previdência Privada

A palavra montepio tem sua origem etimológica no italiano: “monte de pietá”, ou seja, “montes de piedade ou montes pios”. Desconfio de tudo que é piedoso, especialmente se sua origem for religiosa, o que é o caso. Foram instituições de caridade que surgiram em igrejas no século XV e que auxiliavam as populações pobres especialmente em situações extremas como morte ou doença. A forma clássica de aumentar o “rebanho”. Com o tempo, passaram a realizar penhoras e a conceder empréstimos com juros. Esta prática foi exclusivamente judaica porque à época a Igreja Católica proibia a cobrança de juros, enquadrada e punida como crime de usura. Sabe-se, porém, que a Igreja Católica – como as demais – desde suas origens cresceu e prosperou acumulando vantagens e bens materiais – doações, herança, venda de oferendas, etc –, realizando a contrapartida de forma imaterial através da absolvição dos pecados e da promessa de vida eterna no reino dos céus, dentre outros truques e artimanhas. Recordo um velho amigo meu que brincava com o tema afirmando que só é possível acumular e assim, enriquecer de três maneiras: recebendo algo sem dar nada em troca (as igrejas), trabalhando com o dinheiro dos outros (os bancos) ou pagando por algo menos do que vale. Ele se referia, é claro, à mais valia, fonte dos lucros do sistema capitalista.

A primeira iniciativa pioneira, isolada, de origem estatal surgiu na Inglaterra, dois séculos depois. Em 1601 foi assinado o “Poor Relief Act” (a Lei dos Pobres) que determinou e regulamentou a concessão de auxílios em situações extremas. Os juízes de comarca passaram a ter a prerrogativa de tributar os proprietários de terra para obter recursos para auxiliar as populações mais pobres em anos de quebras da produção agrícola. O rei tentava evitar que a fome originasse revoltas camponesas.

Quase quatro séculos depois, final do século XIX Bismark instituiu na Alemanha o seguro-doença (1884) e o seguro invalidez e velhice (1889).

A institucionalização dos sistemas previdenciários, no entanto, tem cerca de um século. Na primeira década do século XX, na Inglaterra foram sancionadas as leis do Old Age Pensions (1908), um sistema de pensão para maiores de 70 anos e do National Insurance Act (1911), o primeiro sistema previdenciário mantido com contribuições compulsórias do empregador, do trabalhador e do Estado.

No Brasil a lei Elói Chaves, em 1923 marca a criação do primeiro sistema de aposentadorias e pensões, restrito aos trabalhadores das empresas ferroviárias, as CAPS. Na década seguinte, anos trinta, o sistema se amplia com o surgimento dos IABs os institutos de aposentadoria e pensões dos comerciários (IAPC), dos bancários (IAPB) e dos Industriários (IAPI). Segue-se a assinatura em 1943 da Consolidação das Leis do Trabalho (a CLT), iniciando-se o ciclo de elaboração e consolidação das Leis de Previdência Social.

Apesar do seu crescimento e da sua consolidação ao longo do século passado, o sistema previdenciário brasileiro apresenta enormes debilidades. E nem poderia ser de outra forma: um país com renda média baixa, altamente concentrada, com distribuição salarial extremamente desigual, impostos regressivos que recaem principalmente sobre a diminuta classe média e os pobres teria, inevitavelmente, de ter um sistema previdenciário refletindo estas mazelas, ou seja, também desigual e injusto.

Mais de um terço (40%) dos trabalhadores brasileiros estão na informalidade, ou seja, não tem carteira assinada e, portanto, não tem direito a aposentadoria ou pensão.

Os 60% restantes pertencem a dois sistemas. O primeiro é o regime geral de previdência (o RGPS) que cobre os celetistas, a imensa maioria dos trabalhadores brasileiros. Tem hoje cerca de 26 milhões de beneficiários. Há um segundo sistema, o chamado regime próprio (RPPS), composto por cerca de 4 milhões de servidores públicos estatutários aposentados e seus pensionistas. O benefício médio pago ao aposentado do Regime Próprio é cerca de oito vezes o benefício médio do Regime Geral. Se compararmos o benefício médio dos servidores aposentados dos poderes Legislativo ou Judiciário com os do Regime Geral, veremos que a diferença é ainda maior, chega próximo de 20 vezes.     

Como os proventos dos aposentados do RGPS tem um teto fixado em apenas 4.390 reais, algo em torno de 6 salários mínimos mensais, desde a década dos anos sessenta foram sendo criados Montepios com a finalidade de complementar a renda do trabalhador celetista que não tem assegurada a integralidade da remuneração que percebia na ativa por ocasião de sua aposentadoria. Esses Montepios, às vezes denominados de Caixa de Pecúlios ou de Associações de Classe são entidades de previdência fundadas com personalidade jurídica de direito privado, de ingresso voluntário, abertas ou fechadas, com a finalidade de complementar aposentadorias e pensões via captação e capitalização de recursos.  Tiveram dois ciclos bem definidos. O primeiro vai da década de sessenta até meados dos anos oitenta e floresce especialmente no período da ditadura militar. O segundo ciclo começa após fim da ditadura e é fortemente impulsionado pelos ventos da fase neoliberal privatista que começa lá na ilha da madame Thatcher e é copiada aqui e seguida pelos governos Collor e FHC. Vamos falar sobre eles na próxima semana, na segunda parte deste artigo.

Fonte: http://www.sul21.com.br - Paulo Muzell é economista.


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