Publicado por Redação em Saúde Empresarial - 09/11/2015

O verme que transmite seu câncer aos humanos

Pesquisadores descobrem insólita ligação entre as infecções parasitárias e os tumores

Imagem do H nana no microscópio. / Peter Olson / M. Camargo (AgBr)

Médicos da Colômbia e dos Estados Unidos alertaram, na quarta-feira, que um parasita pode transmitir câncer a seres humanos. O único caso conhecido ocorreu em Medellín, na Colômbia, com um paciente cujo sistema imunológico estava debilitado pelo vírus HIV. Os médicos levaram três anos para se convencerem de que as estranhas formações celulares que viam em seus pulmões e em outros órgãos eram tumores provocados por células de um verme.

“Ficamos muito surpresos ao ver vermes platelmintos crescendo dentro de uma pessoa e que basicamente sofriam de câncer, e este câncer se expandiu ao paciente, causando nele a doença”, afirmou Atis Muehlenbachs, patologista do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês). Sua equipe descreve este salto entre espécies do câncer na revista especializada New England Journal of Medicine.

A descoberta, por enquanto, é um caso único, mas desperta a dúvida sobre se há mais incidentes que estejam passando despercebidos pelos médicos, especialmente em países em desenvolvimento, onde tanto as infecções por parasitas como a incidência da Aids e de outras doenças criam um ambiente perfeito, segundo diz o CDC em um comunicado à imprensa.

O verme em questão (Hymenolepis nana) é um parente da tênia. Mede cerca de 3 centímetros e se agarra às paredes do intestino delgado. Calcula-se que existam aproximadamente 75 milhões de pessoas infectadas em todo o mundo, a maioria em países em desenvolvimento. Geralmente, a infecção não provoca sintomas, mas nos casos em que o sistema imunológico está enfraquecido por outras causas, como a infecção por HIV, a história pode ser muito diferente.

Em janeiro de 2013, Carlos Agudelo recebeu um paciente com HIV, de 41 anos, que tinha abandonado seus medicamentos antirretrovirais pouco tempo antes “porque não estava se sentindo bem”. “Ele apresentava febre e sintomas respiratórios gerais”, recorda Agudelo, médico da Clínica Universitária Bolivariana de Medellín.

Logo foram detectadas lesões “muito grandes” nos pulmões e nos gânglios que pareciam tumores e estavam se expandindo rapidamente. Uma biópsia revelou que as células não pareciam ser humanas. Na realidade, elas eram dez vezes menores. “Começamos a perguntar a outros colegas na Colômbia e fora, no México, na Espanha e nos Estados Unidos”, conta o médico. Ninguém parecia saber do que se tratava.

“Não sabíamos se era um estranhíssimo caso de câncer ou uma infecção desconhecida”, explica Muehlenbachs por telefone, da sede do CDC em Atlanta, nos Estados Unidos. Em maio de 2013, após várias análises do tecido tumoral e seus genes, o laboratório do CDC especializado em doenças de origem desconhecida confirmou ter encontrado o DNA do H. nana. O paciente, com a saúde muito deteriorada parcialmente por causa dos tumores, acabou morrendo três dias depois.

“O caso foi encerrado há seis meses”, afirma Agudelo. Nos tumores, foram encontradas apenas células-mães do verme, as únicas capazes de proliferar e gerar uma formação maligna. As mutações observadas nelas são compatíveis com outras características de tumores humanos. “O estudo é muito cuidadoso na hora de qualificar esse caso como câncer humano”, reconhece Agudelo. Ele admite que a explicação mais simples “é que estamos diante de um câncer originado das células de um parasita e não nas de um paciente”.

É algo que abre muitas incógnitas sobre a natureza do câncer e suas causas. Também sobre “novas relações entre o parasita e o hospedeiro totalmente desconhecidas até agora”, afirma Agudelo. Além disso, ainda não se sabe como combater esse câncer insuspeito, se com quimioterapia ou com medicamentos antiparasitários.

Doença esquecida

“Para todos nós, isso tudo é ficção científica”, reconhece José Muñoz, coordenador de Medicina Tropical do Hospital Clínico de Barcelona, na Espanha, e pesquisador da ISGlobal especializado em helmintíases. “Até agora sabíamos que alguns agentes infecciosos, como o vírus do papiloma humano (HPV) provocam lesões nas células humanas e fazem com que estas proliferem de forma descontrolada, provocando câncer”, afirma. O estudo menciona ainda que há casos muito raros nos quais o câncer se transmitiu entre pessoas através de transplantes ou da mãe a seu bebê, durante a gestação. Mas o fato de se tratar de células cancerosas de outro animal se aninhando e gerando um tumor no hospedeiro representa “uma mudança de paradigma” em relação à nossa concepção básica do câncer, para Muñoz.

O mais urgente agora é comprovar se vai voltar a ocorrer um caso como este “ou se investigamos mais ao sequenciarmos outros tumores”. Para ele, há um obstáculo importante: este tipo de câncer seria muito mais comum em zonas com altos níveis de contágio e em pessoas já comprometidas por outras infecções. Ou seja, em países em desenvolvimento, onde não existem as ferramentas de estudo necessárias. “Na África, as pessoas morrem e pronto, muitas vezes não se sabe do quê”, explica Muñoz, que pesquisa a ligação entre infecções parasitárias e outros problemas de saúde no Centro de Pesquisa em Saúde de Manhiça, em Moçambique. “Esse estudo põe sobre a mesa uma relação entre parasitas e o câncer que precisa ser comprovada, porque poderia trazer implicações importantes na reclassificação de risco desse parasita, que nem aparece em muitas listas de doenças esquecidas”, ressalta Muñoz.

Fonte: El País Brasil


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