Publicado por Redação em Saúde Empresarial - 05/04/2012
O que esperar do SUS daqui a vinte anos?
O espaço ocupado pela assitência privada levará a uma necessária integração, diz, em artigo, Gonzalo Vecina, do Sírio Libanês
Constantemente somos desafiados a enxergar o futuro. Porém ele se encontra na espera de seu dia e por isso não consigamos vê-lo. Mas como ele virá é possível criá-lo. Para tanto temos que desejá-lo. E tal desejo necessariamente deve mesclar utopia e uma noção de factibilidade oriunda do conhecimento do passado e do presente. Assim olhar para o futuro, desejá-lo, é uma forma de torná-lo possível.
O SUS é uma resultante do desejo da sociedade brasileira ter acesso à assistência a saúde de forma universal, integral e com equidade. É a nossa utopia que tem meros vinte e dois anos.
Como o vejo em mais vinte anos?
Para tanto é necessário desenhar o cenário provável daqui a vinte anos – e o que eu espero é um cenário no qual o Brasil graças a sua nova posição entre as nações, como um grande produtor de commodities – pelas quais o mundo tem uma imensa voracidade, sua autonomia energética, sua estabilidade econômica, sua estabilidade política, chegue em 2032 tendo conseguido erradicar a pobreza extrema, tenha conseguido diminuir a distancia entre a quantidade de renda em poder das classes C e D, e as A e B; tendo um sistema educacional melhor, embora ainda com muitos problemas de qualidade na formação e com gargalos por resolver na quantidade de profissionais na área de exatas; tendo resolvidos boa parte dos problemas mais graves de saneamento básico, mas ainda com lixões em muitas grandes cidades; tendo melhorado muito sua infra-estrutura de transporte, mas ainda é muito dependente de rodovias; tendo uma participação crescente no registro de patentes e conseguido melhorar sua balança de pagamentos em áreas de maior densidade tecnológica, caminhando para não ficar tão dependente da produção e venda de commodities.
Enfim melhorou, mas sem descolar principalmente devido à crise européia e a certo travamento da economia americana e da então maior economia do mundo – a chinesa. Assim nesse momento o pais melhorou, mas muito em função de seu próprio mercado interno e de suas próprias condições de suporte.
Nesse cenário o setor saúde privado conseguiu evoluir para uma cobertura de cerca de 35% na área da Assistência Médica Supletiva (AMS) e nas capitais e grandes cidades essa cobertura pode chegar a cerca de 60 % da população. Essa expansão se dá muito através de redes de baixa complexidade e com grande dependência de complementaridade com o setor público nas áreas de alta complexidade.
No entanto melhora bastante a capacidade de gestão e a eficiência da rede privada, há uma explosão do número de entidades certificadas, graças ao papel indutor da agências reguladoras que impõe uma agenda de busca da melhoria continua dos processos assistenciais e principalmente de melhoria da segurança dos processos assistenciais dentro das instituições. Também muitas operadoras começam a atuar na área da promoção e da proteção da saúde, buscando uma real gestão da sinistralidade com evidentes impactos na qualidade de vida de seus beneficiários.
Em relação ao SUS, seu principal problema hoje, continuará existindo, porém com menor relevância. O financiamento não será aumentado por novas fontes, embora venha ser beneficiado pelo crescimento incremental da economia e também se beneficie do aumento da eficiência através de um conjunto de medidas.
Assim o espaço ocupado pela assistência privada levará a uma necessária integração, a uma relação de complementaridade com o SUS. Portanto a AMS ocupará um importante espaço na assistência e terá que se integrar ao sistema público, primeiro devido a sua complementaridade na alta complexidade e na assistência farmacêutica e segundo, por que podem ser construídas escalas interessantes entre as duas redes, se elas deixarem de ser superpostas e passarem a ser complementares. Este talvez seja o desafio mais importante do SUS nesse futuro.
Existe uma visão atrasada que isso seria transferir renda para o privado, mas embora este componente exista, ao não aproveitar a complementaridade o que se faz é promover um imenso desperdício de recursos, uma vez que não é possível construir sistemas regulatórios que operem olhando para uma demanda que abarca cem por cento da população. Espero também que nesse construir, a questão fiscal seja enfrentada e ao fazê-lo se enfrente de maneira madura a questão dos múltiplos subsídios cruzados que hoje inundam a economia brasileira e o setor saúde em particular.
O financiamento deverá ser enfrentado também via aumento da eficiência gerencial, utilizando intensivamente a tecnologia da informação (TI) que deverá permitir sistemas regionais de regulação da demanda e ter uma melhor noção dos gastos e de como cobri-los. Assim a regra de relacionamento com o setor privado será a da contratualização, da mesma forma que quando se realizarem os contratos de gestão via OSs e OSCIPSs.
E dentro da própria administração pública indireta (fundações estatais de direito privado, redesenhadas para permitir a demissão imotivada, contrato de pessoal através de seleção e compras apenas por leilões eletrônicos) a forma de relacionamento será a contratualização. O estado diz o que deve ser feito através da definição da política, contrata definindo os valores a serem pagos e avalia os resultados.
Dentro do processo de regulação são estabelecidas novas regras para adequar a participação dos municípios com menos de vinte mil habitantes e praticamente são fechados os pequenos hospitais de menos de cinqüenta leitos, embora alguns tenham sido transformados em centros de acolhimento e tratamento de pacientes crônicos e ou fora de possibilidade terapêutica e não elegíveis para o atendimento domiciliar.
Na área da saúde mental a descriminalização do uso de drogas, transforma o problema da droga-adicção em uma questão sanitária que deve ser enfrentada pelos setores público e privado com o uso de ações ambulatoriais e internações voluntárias.
O uso da evidência clinica para incorporar novas tecnologias, inclusive pelo setor privado é operado por uma nova agência governamental e promove importantes economias. Os principais indicadores de saúde melhoram, mas a morbi-mortalidade continua expressando uma inaceitável diferença entre os diversos grupos de renda. A questão da equidade ainda é um imenso desafio a ser enfrentado. Pobres e negros morrem mais de enfermidades onde se está conseguindo grandes vitórias como o infarto, o AVC e o câncer.
O sistema de saúde está sendo reconstruído com base em um processo de construção de redes regionais de atenção mesclando o público e privado com base em negociações mediadas pelos Conselhos Gestores e pelas instâncias regionais das Comissões Bipartites. O instrumento predominante é o da regulação em um ambiente de transparência pública acompanhado pelo Ministério Público e pela ação dos Tribunais de Contas.
Será que exagerei na dose da utopia? Acho que não. Acredito que estamos caminhando no sentido de construir um mundo melhor para viver nele e não dele. E acho que o componente fundamental que temos que introduzir para construir esse futuro é compromisso social com a transformação que queremos. Caminhemos.
Fonte: saudeweb