Publicado por Redação em Gestão do RH - 29/01/2021
"O papel do líder é motivar as pessoas, olhando para elas como figuras ativas", diz neurocientista
Há cerca de 10 meses, equipes de diversas áreas e empresas espalhadas pelo Brasil estão em trabalho remoto. Até existe um movimento de algumas organizações em apostar no modelo híbrido de trabalho (parte da jornada em casa, parte no escritório), mas as ações ainda estão no papel, sem data definida para serem implementadas. Como já tratamos em outras reportagens, o home office acelerou transformações nas equipes e evidenciou problemas de cultura organizacional.
Nesse período, as empresas tiveram de voltar os olhos para o bem-estar e à saúde mental do trabalhador. E mesmo com políticas de benefícios e ações segmentadas para a área (como auxílio para terapia e a institucionalização de pausas e dias sem reuniões, para aliviar a rotina), muitos funcionários permanecem ansiosos e apreensivos em relação ao futuro. Segundo pesquisa do LinkedIn realizada entre 5 de outubro de 2020 e 1 de janeiro de 2021, o otimismo dos funcionários caiu no último trimestre de 2020. Três pontos foram analisados no estudo: segurança no próprio emprego, perspectiva financeira e chance de progressão na carreira. Além disso, 63% das pessoas que estão empregadas afirmaram se sentir estressadas.
Com esse cenário, como fica a motivação do colaborador? Qual é o papel do líder nessa equação que envolve normas institucionais a serem seguidas e a realidade - familiar e de estrutura para trabalhar em casa - de cada membro da equipe? Ana Carolina Souza, neurocientista e sócia-fundadora da Nêmesis, empresa de treinamentos e consultoria em neurociência organizacional, conversou com o Sua Carreira sobre os principais aspectos e atitudes que podem trazer de volta a motivação aos colaboradores.
Mesmo à distância, como podemos identificar se o funcionário está ou não motivado?
A motivação é um dos grandes direcionadores das nossas decisões. E é muito importante ter em mente que é um processo inconsciente. Os sistemas motivacionais no cérebro, as regiões e circuitos que se ativam, são inconscientes. Por isso, são processos que acontecem quase que instintivamente e que vão ajudar a gente a direcionar a busca pelo o que a gente entende que faz bem, que é prazeroso, que a gente quer e o afastamento daquilo que não nos faz bem, é desagradável e que representa uma punição.
Esses sistemas vão, de alguma forma, mobilizar esse comportamento que a gente descreve como afastamento e aproximação. Se eu estou muito envolvido com o meu trabalho, eu tenho insights, consigo criar coisas novas, encontrar soluções e entender a importância do que eu faço. Essa é uma pessoa que está motivada no seu trabalho. E o contrário é: se não me pedirem para fazer eu não vou fazer, não sei muito bem como fazer essa tarefa, não tenho essa ferramenta.
É possível dimensionar os fatores que motivam ou desmotivam um funcionário?
O primeiro elemento é a recompensa financeira. A gente não pode negligenciar a importância do retorno financeiro para as pessoas. Esse é um ponto em que o gestor ou a gestora, sozinhos, não têm muita autonomia para colocar em prática na equipe. E é uma ação em que não se encontra uma nova estratégia a ser aplicada todo mês, tende a ser um ponto mais fixo e estável. Há também um limite: quando a pessoa já ganha o valor idealizado ou se sente confortável financeiramente, ela começa a buscar algo a mais na relação com o trabalho.
Qual é a conduta que deve ser tomada ao identificar um funcionário desmotivado?
A motivação é um ponto central da liderança. O papel do líder é justamente motivar essas pessoas, fazer com que elas se envolvam na participação desse trabalho, olhando para elas como figuras ativas e não com o modelo antigo em que a gente tem que mandar, se não ficar em cima do funcionário ele não vai fazer. É preciso uma mudança de perspectiva em relação ao trabalho e a motivação é um ponto-chave.
A maneira como se aprendeu a liderar é uma maneira antiga. Cada vez mais as empresas estão abertas a essa discussão e sensíveis ao tema. Mas a gente está falando de mudar aspectos inconscientes. Uma coisa é saber que eu deveria motivar as pessoas, que bem-estar é importante, saber que o estresse compromete a capacidade de entrega, a criatividade e a inovação. Outra coisa é fazer isso. O que a gente mais vê são empresas que buscam uma cultura inovadora com ambientes que fazem o contrário. Tem o que eu sei e desejo e o que eu faço. E isso é inconsciente. É uma mudança profunda para a organização. Não é fácil, simples ou rápido. Requer das empresas investimentos que são maiores e continuados.
O que os líderes podem começar a colocar em prática para motivar suas equipes sem depender tanto de ações institucionais, como palestras, treinamentos e mentorias?
Pertencer a um grupo é muito importante para nossa saúde física e mental. O líder deve garantir que cada pessoa que está na sua equipe entenda qual é a sua contribuição para o todo (por exemplo, qual é a visão da empresa sobre o departamento ou sobre o projeto que está sendo executado no momento). Dada essa visão, que é papel do líder comunicar, como que o funcionário, individualmente, contribui para essa entrega? Essa é uma ação simples e que é subvalorizada ou feita muito pouco. Não se faz a conexão entre a visão e a atuação de cada membro. É preciso trazer pertencimento, envolvimento e garantir que cada um saiba qual é o seu valor no grupo.
É importante também o funcionário entender que sempre haverá oportunidade de crescimento, aprendizado e desenvolvimento. Isso ajuda as pessoas a entenderem que elas não estão sem destino. O potencial criativo e de aprendizado ajuda a dar sentido e trazer um controle saudável da rotina. Sentir que o hoje é diferente do ontem evita que a gente fique vivendo dias iguais, sem sentido.
Para isso, o líder deve apostar na comunicação transparente e não se sentir na obrigação de ter todas as respostas. A gente não pode fingir ter controle, a pandemia deixou claro como as coisas são passíveis de mudar de forma repentina. O líder não pode querer dar essa certeza porque ele não vai ter.
Há como o funcionário trabalhar internamente mecanismos ou tarefas dentro de sua equipe que o tragam motivação?
Sim, a autonomia faz parte desse processo de motivação. As pessoas têm que ter uma boa noção de gestão de tempo, saber o que é prioridade. Mas a gente está vindo de um modelo de trabalho onde tem alguém que diz o que você tem que fazer, o que é prioridade e o que está errado. O funcionário precisa ter o mínimo de capacidade decisória. A vantagem da autonomia para o momento presente é construir uma relação de confiança com a liderança. O líder não se sente compelido a estar o tempo todo olhando o que as pessoas estão fazendo, e as pessoas conseguem organizar as suas vidas nesse momento conturbado.
O que a gente está testemunhando hoje é uma agenda repleta de reuniões. A reunião já era um problema antes nas empresas, a gente só transferiu ela para o mundo virtual e aumentou o tempo de reunião porque, no fundo, talvez eu nem me sinta seguro/a de não estar vendo você trabalhar. São processos emocionais e traços de cultura organizacional que a gente não vinha trabalhando antes da pandemia. Equipes que já trabalhavam a autonomia e o pertencimento antes da crise vêm performando melhor, com equipes motivadas.
Fonte: Estadão