Publicado por Redação em Notícias Gerais - 23/11/2015
O fracasso de 14 anos de guerra contra o terrorismo jihadista
Em junho de 2014, um membro armado do Estado Islâmico acenando uma bandeira na cidade síria de Raqqa, reduto da organização jihadista. / Reuters
O que deu errado na luta contra o terrorismo desde o 11 de Setembro?
Tudo o que acontece agora já aconteceu antes. Como se estivesse lendo um roteiro escrito por outra pessoa, François Hollande parece seguir os mesmos passos dados por George W. Bush há 14 anos. E não só o presidente da República, mas a França inteira, inclusive a Europa e o mundo, enfrentam um filme de terror que já tinham visto, um pesadelo que já conhecem e, até mesmo, alguns erros que arriscam repetir.
A primeira analogia oferece a dimensão e o caráter do ataque. O inimigo escolheu lugares significativos de cada um dos países. Para destruí-los ou perpetrar-lhes o maior dano possível. No 11 de Setembro foram as Torres Gêmeas, como um símbolo da arrogância capitalista, em Nova York; e o centro de comando militar da principal potência, o Pentágono, em Washington, ainda que os terroristas também quisessem lançar um avião contra o Capitólio. No 13 de Novembro, a noite da Paris multicultural e desinibida, os bistrôs e bares entre a Bastille e a République, e o camarote presidencial no Stade de France, onde se encontrava François Hollande para acompanhar um jogo de futebol, o esporte mais popular, entre as seleções da Alemanha e da França. Todo um simbolismo de Europa.
Após a semelhança no objetivo dos terroristas, a semelhança nas reações, estimuladas pelo caráter presidencialista de ambos os sistemas políticos. Em ambos os casos, o presidente e comandante-em-chefe se dirige a seus compatriotas, reúne os parlamentares e responde à guerra com a guerra. Idêntica é a resposta dos cidadãos, reunidos em apoio ao presidente e à bandeira nacional. Uma onda de simpatia e solidariedade com o país amigo atacado se transporta a seus aliados e vizinhos. Todos éramos americanos, agora todos somos Paris. Os ataques transformam os dirigentes máximos, Bush à época e Hollande agora, em sua imagem, comportamento e, até mesmo, ideias. Eles também transformarão suas políticas, nas quais facilmente se romperá o delicado equilíbrio entre segurança e liberdade. E até mesmo mudarão suas relações internacionais: no caso de Bush, levou a uma guinada unilateral e agressiva na política externa e à divisão da Europa, e, no de Hollande, já levou a uma reaproximação com a Rússia.
O inimigo é o mesmo, nas suas características e ideologia, embora não seja estritamente em seu nome e nos meios utilizados. E esse é o fato mais preocupante, uma vez que 14 anos depois o monstro não foi derrotado. Em vez disso, cresceu e multiplicou os seus tentáculos e até mesmo a sua capacidade mortífera. Mohamed Atta e seus colegas utilizaram aviões como armas de destruição em massa, e para sequestrá-los utilizaram cortadores e facas de plástico. Abdelhamid Abaaoud e seus comandados, por sua vez, agiram com Kalashnikovs e explosivos, manejados com precisão militar. Os primeiros pertenciam à Al Qaeda, e os segundos ao autodenominado Estado Islâmico, o mais recente e bem-sucedido avatar de um terrorismo que cresce e se espalha por todo o mundo até conquistar territórios onde impõe sua violência desenfreada, como já aconteceu na Síria e no Iraque.
A repetição do filme, agora em território europeu e com alcance e perigo amplificados, é a expressão de um fracasso múltiplo e contínuo. Há um fracasso imediato na prevenção dos ataques, principalmente por falhas atribuídas a polícias e serviços secretos. Atta e seus amigos puderam treinar em uma escola de aviação na Flórida, e Abaaoud e seus aliados cruzaram fronteiras e postos de controles policiais sem serem detectados. Mas há uma falha mais fundamental na resposta antiterrorismo e, sobretudo, na ação sobre as causas dessa violência sem precedentes nos países onde se origina. Se a guerra global contra o terror é efetivamente uma guerra, parece claro que 14 anos depois estamos perdendo. Os erros do passado explicam os erros do desastre de agora, de forma que se repetirmos estaremos aprofundando o fosso no qual nos afundaremos no futuro.
Os erros em série de Georges Bush já são um clássico, conhecidos por todos. A guerra preventiva e fora das convenções internacionais. As mentiras da CIA sobre as inexistentes armas de destruição em massa que serviram para justificar a invasão do Iraque. A limitação das liberdades e dos direitos individuais através do chamado Patriot Act ou das leis de exceção aprovadas em massa pelos parlamentares sob a emoção patriótica suscitada pelos ataques. O uso da tortura, do sequestro e da execução extrajudicial de terroristas. O horror de Abu Ghraib, a prisão iraquiana onde os prisioneiros eram torturados, abusados sexualmente e fotografados por soldados norte-americanos. A criação de limbos jurídicos, como Guantánamo, onde suspeitos foram detidos indefinidamente sem denúncias formais ou julgamentos.
Todos esses erros foram propaganda de presente para o terrorismo. E ainda mais do que isso. Nada seduz mais os terroristas do que a erosão dos valores atribuídos ao Ocidente e a anulação das liberdades e garantias individuais em prol da luta contra o terrorismo. Com essa primeira batalha já ganha, todas as partes se igualam nessa guerra e se abrem às atitudes equidistantes daqueles que denunciam a violência. Mas o maior erro e a consequência mais grave foi o desmantelamento das estruturas do Estado baathista e, especialmente, de suas forças armadas, cujos generais se tornaram a estrutura militar do Califado terrorista.
Bush sabia que Saddam Hussein não tinha nada a ver com a Al Qaeda ou com os ataques de 11 de Setembro. Mas também tinha conhecimento das pesquisas de opinião apontando que os ataques tinham aguçado o apetite por guerra entre os seus compatriotas. Só faltava uma desculpa para se lançar à nova guerra que seus assessores neocons pediam. Foi fornecida pela CIA com a fabricação de provas falsas sobre as armas de destruição em massa. Com elas, se lançou à invasão e à derrubada de Saddam, com a ideia inicial, totalmente fracassada, de transformar o Iraque em uma democracia próspera e exemplar, que virasse um exemplo a se espalhar por toda a região, sem perceber que estava fabricando um Estado rachado e esquartejado, subordinado ao inimigo iraniano e minado pelo terrorismo sectário em que se transformou o país árabe.
Não foi uma cadeia de erros, mas sim um grande erro estratégico. A pergunta não é o que deu errado, mas se alguma coisa do que foi feito deu certo. Será difícil que a França, e os europeus com ela, incorram nas mesmas falhas graves, principalmente em uma invasão em grande escala. O desmantelamento de um Estado sem contar com uma rápida e eficaz substituição de estruturas políticas, administrativas e de segurança sempre foi uma operação de altíssimo risco. Bush e seus neocons não levaram em conta, assim como Cameron e Sarkozy com a destruição da Líbia de Gadafi, ou Obama com sua inibição a respeito da destruição da Síria de Bashar al-Assad. A verdadeira força do Estado Islâmico, ou seja, seu território, as armas capturadas de exércitos desmantelados e grande parte dos numerosos guerreiros recrutados, se deve à destruição de três Estados árabes desde 2003, sem que existisse nem planos nem recursos para construir estruturas alternativas estáveis.
Do 11 de Setembro a Mali
Fonte: El País Brasil