Publicado por Redação em Mercado - 07/08/2024

Filhos e carreira: por que as empresas devem facilitar essa combinação



Em julho, a primeira mulher a se tornar presidente da Nivea no Brasil revelou à imprensa que já rejeitou uma promoção para ter um filho. A executiva Ana Bógos descobriu há 12 anos que estava grávida, quando estava prestes a se tornar CEO da Kimberly-Clark no Chile. O bebê, porém, era muito aguardado. Ela demorou a engravidar e queria aproveitar o momento. Pediu, então, mais dois anos no cargo de diretora no Brasil. Os executivos da empresa americana, que produz papel higiênico, lenços umedecidos e afins, toparam. E Ana curtiu os 730 primeiros dias do Rafael, seu filho único, com alguma tranquilidade.

Este é, claro, um caso entre milhões. São raras as profissionais que têm a chance de não interromper a carreira, às vezes definitivamente, para se tornarem mães. Quase metade delas (48%) acaba saindo do mercado de trabalho. Por isso, a maternidade é um dos fatores responsáveis pela existência do “degrau quebrado”: o fato de que há poucas mulheres em cargos de liderança nas companhias, embora elas sejam maioria nas faculdades. Costumam avançar, no máximo, até o nível de coordenação.

Isso significa algo que a maioria já sabe: o mercado de trabalho é machista. Mas também que as empresas em geral não têm políticas para ajudar e valorizar funcionários, homens ou mulheres, que têm filhos. Elas são mais afetadas, claro, porque as responsabilidades domésticas e os cuidados com as crianças são historicamente deixados em suas mãos. Mas os homens também saem perdendo, porque não têm a oportunidade de serem pais presentes para seus filhos, mesmo quando têm o desejo de fazê-lo.

Isso se deve à falta de regulamentação da licença-paternidade: os cinco dias estabelecidos na Constituição há 35 anos eram provisórios, e o benefício seria revisto em lei posterior – coisa que ainda não aconteceu. Mas também se deve à falta de flexibilidade (e compreensão) por parte das companhias. Veja o caso de Marcus Labigalini: ele é pai do Miguel, uma criança autista que precisa de bastante suporte, e trabalhava como consultor de informática no setor farmacêutico quando recebeu o diagnóstico. “Eu não tive nenhum apoio. Tive que começar meu próprio negócio para conciliar o trabalho com as sessões de terapia do meu filho.”

O Miguel precisa de cuidados específicos, por ser uma criança neuroatípica. Mas toda criança, como diria o Palavra Cantada, não trabalha; dá trabalho. A boa notícia é que algumas empresas não ignoram esse fato e estão implementando políticas para facilitar a vida dos funcionários que tentam conciliar filhos e carreira. Vamos a elas. Mas, antes, entenda por que há companhias investindo nisso.

Foto da Michelle Terni.
Michelle Terni, da Filhos no Currículo: “É fundamental calcular o impacto do afastamento da pessoa [durante a licença], listar suas atividades, revisitar suas metas e planejar sua substituição com antecedência”. (Celso Doni/VOCÊ RH)

Pais, filhos e empresas

Uma cultura de bem-estar parental considera o contexto familiar das pessoas e normaliza o fato de que pais e mães têm necessidades específicas. Em escritórios assim, um funcionário pode se ausentar para ir a uma reunião escolar, por exemplo, sabendo que não haverá retaliações por isso, e os chefes estão bem-preparados para reorganizar suas equipes diante de uma licença-maternidade e receber de volta as mamães em questão.

Tal cenário não surge, claro, da noite para o dia. Uma boa gestão de cultura organizacional prevê o planejamento, a implementação e a manutenção de certos benefícios; um projeto de sensibilização e convencimento das lideranças; e um estímulo continuado a determinados comportamentos. É um plano de longo prazo. Mas o esforço para criar um ambiente family friendly dá resultado.

Veja só: as 150 empresas brasileiras premiadas pela consultoria Great Place To Work têm políticas efetivas de D&I, com destaque para benefícios parentais. E, segundo uma pesquisa do Instituto Promundo, as companhias que adotam políticas em prol do bem-estar parental têm profissionais mais produtivos e maior equidade de gênero em seu organograma.

A diversidade, por sua vez, é comprovadamente benéfica para os negócios. A consultoria Gartner, por exemplo, já apontou que 75% das empresas que investem em D&I excedem suas metas financeiras. E o Fórum Econômico Mundial mostrou que organizações diversas têm 45% de sua receita proveniente de inovação. Há uma diferença de 19% entre essas empresas e as menos ligadas nesse assunto.

A relação é fácil de entender. “Quando seu quadro de funcionários reflete a sociedade, você ouve as pessoas às quais sua companhia serve”, explica Neila Lopes, head de Cultura e Diversidade da farmacêutica Sanofi. “Você conhece as necessidades de todos, então fica mais fácil considerá-las na hora de desenvolver um produto.”

O apoio à parentalidade também impacta a percepção das marcas entre consumidores e demais stakeholders. O Grupo Boticário, por exemplo, tem uma creche para filhos de funcionários desde 2002 e foi pioneiro em diversas políticas a favor de pais e mães. O VP de Pessoas e Tecnologia, Daniel Knopfholz, afirma que isso se deve à cultura da empresa, muito focada no bem-estar. “Além disso, acreditamos que nossas decisões influenciam outras empresas e mantêm a confiança do consumidor em nossas marcas.”

Foto do Daniel Knopfholz.
Daniel Knopfholz, do Grupo Boticário. A organização tem uma creche para filhos de funcionários desde 2002. (Reprodução/Reprodução)

Há outra questão central: a retenção de talentos. Investir em políticas para ajudar os funcionários a conciliar filhos e carreira significa, muitas vezes, permitir que as mulheres continuem no mercado – e incentivá-las, assim como seus colegas, a permanecer em suas companhias. “A verdade é que, quando uma profissional experiente e pronta para ser promovida pede demissão ao engravidar, a empresa perde anos de investimento”, afirma Margareth Goldenberg, gestora executiva do Movimento Mulheres 360.

Ela afirma que existe um mito de que implementar uma cultura de bem-estar parental é caro. Não precisa ser – e vale muito a pena. “Geralmente as lideranças e o RH sequer sabem quanto custaria, porque não fazem benchmarking”, ela explica. “ E, muitas vezes, as iniciativas que fariam diferença são mínimas [em termos de custo financeiro].”

Tais benefícios podem ser mais tradicionais, como um programa de apoio à saúde da gestante; pontuais, como a possibilidade de levar o filho e um acompanhante para uma viagem corporativa; ou mais robustos, como a licença-paternidade estendida – a principal política mencionada por especialistas em cultura de bem-estar parental. 

Por que estender a licença?

Segundo um levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a duração média da licença-paternidade no mundo é de nove dias. Estamos, portanto, abaixo da média global, junto a países como Vietnã, Zâmbia e Nicarágua. 

Embora existam companhias filiadas ao Programa Empresa Cidadã, que concedem mais 15 dias em troca de benefícios fiscais, especialistas defendem que as regras da licença-paternidade precisam ser revistas. Vinicius Pinheiro, diretor do escritório brasileiro da OIT, afirmou em entrevista à BBC News Brasil que isso é “mais urgente do que nunca”, devido à participação atual das mulheres no mercado e ao fato de que as licenças atuais “geram um desequilíbrio em relação à distribuição das tarefas de cuidados”. 

Além de tratar desse desequilíbrio e promover uma conexão maior entre pais e filhos, prazos maiores de licença para os homens podem acabar com o viés de gênero nos processos seletivos e além. Afinal, se todos precisam se ausentar com a chegada de um bebê, as empresas não podem apontar a maternidade como um empecilho para contratar e treinar mulheres. Ponto para a equidade de gênero.

Foto da Margareth Goldenberg.
Margareth Goldenberg, do Movimento Mulheres 360: “Quando uma profissional experiente e pronta para ser promovida pede demissão ao engravidar, a empresa perde anos de investimento”. (Celso Doni/VOCÊ RH)

Por motivos como esses, a Coalizão Licença-Paternidade (CoPai) – uma aliança entre pessoas, empresas e coletivos – alerta para a necessidade de estender a licença de forma remunerada e obrigatória, e pressiona o Poder Legislativo para torná-la uma realidade no Brasil. Essas iniciativas já têm efeito: o Senado está discutindo a ampliação da licença, de cinco para até 75 dias. O projeto foi aprovado em julho pela Comissão de Direitos Humanos, e até o fechamento desta edição ainda passaria por outras três comissões.

Criando (e melhorando) licenças

Algumas empresas estão na vanguarda, implementando modelos de licença-paternidade estendida no Brasil. É o caso do Grupo Boticário, da Cielo, Diageo, Gerdau, do Hospital Albert Einstein e da Sanofi – todas ouvidas nesta reportagem e auxiliadas, em algum ponto de sua trajetória, pela consultoria Filhos no Currículo, uma das idealizadoras da CoPai.

A Diageo, por exemplo, foi pioneira ao lançar, há cinco anos, sua licença-paternidade de 180 dias – benefício que a empresa divulgou com uma campanha de sua marca Johnnie Walker em comemoração ao Dia dos Pais. Um dos primeiros a usar o benefício foi o diretor de CMO Alain Lamenza, e ele afirma que os seis meses de licença foram fundamentais para ele estabelecer uma conexão profunda e genuína com sua filha. “Foi um momento único que eu não trocaria por nada.” No primeiro ano de implementação, 90% dos pais que trabalhavam na companhia aderiram à licença opcional. No segundo, a adesão foi de 100%.

Porém, nem sempre ela será um sucesso de cara. Alguns funcionários da Sanofi, por exemplo, não queriam usar o benefício porque perderiam a oportunidade de almoçar no refeitório. “Por isso você precisa conversar bastante com os profissionais e lideranças, além de adaptar os benefícios conforme os feedbacks”, explica Neila. Nesse caso, quem não queria abrir mão do refeitório recebeu um reajuste no vale-refeição.

Mas as resistências são variadas. Webster Baroni, gerente de projetos em inovação da companhia, estava com receio de se ausentar por tanto tempo após o nascimento de seu filho Noah, fruto de uma barriga solidária. “Mas as minhas gestoras disseram: ‘Esse tempo não é para você. É para o seu filho’. Então eu tirei os seis meses [de licença]. E hoje eu sinto uma gratidão profunda por esse apoio, porque é um benefício fora de série.”

Foto de Patrícia Coimbra.
Patrícia Coimbra, da Cielo: “Toda iniciativa é um processo. Você precisa implementar, pegar feedbacks, corrigir alguns aspectos se necessário… E construir junto com os colaboradores”. (Reprodução/Reprodução)

Patrícia Coimbra, VP de Gente, Gestão e Performance da Cielo, afirma que também encontrou diferentes graus de engajamento no início do oferecimento da licença estendida, que é parte de um programa abrangente em prol do bem-estar parental. “Mas toda e qualquer iniciativa tem que ser vista dessa forma: como um processo. Você precisa implementar, pegar feedbacks, corrigir alguns aspectos se necessário… E construir junto com os colaboradores.”

Outro ponto importante para o benefício dar certo é o planejamento. Michelle Terni, cofundadora da Filhos no Currículo, explica: há uma série de boas práticas que preparam o terreno para a saída – e para o retorno – do profissional. “É fundamental calcular o impacto do afastamento da pessoa, listar suas atividades de rotina, revisitar suas últimas metas e planejar sua substituição com antedência”, ela explica. Também é interessante escolher uma pessoa para ajudar o profissional no retorno, contextualizá-lo sobre o que aconteceu no período em que esteve fora, entender suas novas necessidades e alinhar expectativas. “Porque, após o nascimento de um filho, nos tornamos outra pessoa.”

Tudo isso serve, claro, para homens e mulheres.

Caminhos diversos

Embora as licenças sejam centrais, uma cultura que ajuda e valoriza profissionais com filhos tem vários alicerces (veja na lista abaixo). Às vezes, fáceis de serem implementados. A Gerdau, por exemplo, tem um programa bastante completo, com licença-paternidade estendida, acompanhamento médico para gestantes e cartilhas para apoiar profissionais que terão um filho. Outra iniciativa, simples, são seus grupos de apoio, que têm a participação de psicólogos e são um espaço importante para a troca de experiências. “É uma iniciativa de baixo custo e grande retorno, muito reconhecida pelos colaboradores”, segundo Carla Fabiana, diretora de Diversidade e Inclusão da empresa.

Outro ponto importante é a flexibilidade. É a demanda principal das mulheres que engravidam e pensam em sair do mercado, segundo Margareth Goldenberg. Oferecê-la não significa, necessariamente, adotar o modelo híbrido. A empresa pode combinar horários flexíveis com o funcionário ou recorrer a modelos diferentes de jornada. Em certos contextos, mães e pais poderiam trabalhar on demand, por exemplo, pensando mais em entregar projetos do que em cumprir horários.

Foto da Neila Lopes.
Neila Lopes, da Sanofi: “Quando seu quadro de funcionários reflete a sociedade, você ouve as pessoas às quais sua companhia serve”. (Reprodução/Reprodução)

Claro: nem todo contexto permite esse tipo de política. É o caso do Hospital Albert Einstein, onde a maioria dos profissionais faz plantões – e as mulheres são 70% do quadro de colaboradores. Por isso, a instituição tem uma creche há 40 anos, que atende 300 crianças de até 3 anos de idade, filhas de funcionárias do hospital, com o apoio de pedagogas. E, durante a pandemia, estabeleceu parceria com uma escola vizinha para acolher filhos de funcionários de até 14 anos.

A diretora executiva de recursos humanos do Einstein, Miriam Branco, defende: é fundamental analisar a situação de cada colaborador, colocá-los como protagonistas… e agir. “As empresas precisam se posicionar em relação a alguns temas [como a parentalidade e a equidade de gênero]. Isso vai ser cada vez mais exigido pelo consumidor. Não tem como fugir disso.” A boa notícia é que todos têm a ganhar.



Fonte: VOCÊ RH
Por Luisa Costa


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