Publicado por Redação em Mercado - 01/04/2021
Empresas humanizadas: pesquisa mapeia negócios que miram valor humano
Uma segunda-feira por mês a SouSmile para durante uma hora. Não apenas os gestores, a empresa inteira analisa os resultados. No início da pandemia do coronavírus, em 2020, os encontros passaram a ser semanais. Outra prática adotada pela empresa de alinhadores ortodônticos quando a crise fechou por três meses suas lojas foi manter a remuneração até das faxineiras autônomas e do motorista de aplicativo. Entre os funcionários contratados, a redução de jornada e de salário valeu para todos, incluindo fundadores e CEO.
“Essa relação honesta está na nossa alma. É assim que a gente vai vencer. Todo mundo ganha junto, independentemente se é empregado CLT”, afirma Aline Andrade, diretora de Expansão e de Gente e também fundadora da SouSmile. Para ela, a valorização dos colaboradores chega até o consumidor. “A gente aposta na relação humana como uma forma de entregar o melhor para o cliente. O nosso não tem recorrência, então a gente queria que ele acabasse sua experiência tão encantado que pudesse indicar outras pessoas.”
Dos seis fundadores da SouSmile, duas são dentistas e quatro trabalharam em multinacionais. “A gente trouxe as experiências frustradas de grandes corporações para tentar construir alguma coisa diferente”, conta Aline. “Fiquei muito impressionada com o quanto o sorriso afeta as pessoas. Nosso propósito não é uma questão de beleza, mas de autoestima. Mas a segunda surpresa que tive foi que a gente chama a atenção quando faz o básico, que é tratar com respeito a pessoa, em qualquer posição que ela ocupa.”
A SouSmile foi uma das 12 companhias que tiveram o melhor resultado alcançado pelas participantes da 2ª edição da Pesquisa Empresas Humanizadas do Brasil: índice A. Realizado pela startup de impacto Humanizadas, em parceria com o Instituto Capitalismo Consciente Brasil (ICCB), o levantamento ouviu 36.868 pessoas de 226 organizações com desempenho acima da média nacional, quando comparadas com as bases de dados do Reclame Aqui e da Glassdoor, com 3.811 organizações no total.
"É a única pesquisa que vai consultar os múltiplos stakeholders. Quando a gente ouve essas pessoas, pode trazer aspectos estratégicos e a visão de fornecedores, sociedade e clientes para o CEO", afirma Pedro Ernesto Paro, fundador e CEO da Humanizadas.
"O instrumento mede a percepção das pessoas, ajuda a capturar insights e quais são as necessidades, os riscos e as oportunidades que as pessoas estão vendo na empresa. O diagnóstico ajuda a abrir novas ações ou a reforçar iniciativas internas que têm de ser prioridade", completa ele. A pesquisa será apresentada ao mercado nesta quinta-feira, 25, e foi antecipada com exclusividade pelo Estadão.
Índice de consciência
Para essa 2ª edição do levantamento, a Humanizadas criou um índice baseado em dados que mede o rating de consciência, para apontar o quanto as organizações afetam os ecossistemas em que atuam e sua capacidade de desenvolver relacionamentos de excelência e de gerar valor a longo prazo.
“É a economia orientada aos stakeholders: todos os públicos interessados no sucesso, na mudança de pensamento, não apenas o negócio, mas a sociedade, os fornecedores, os parceiros. É olhar para todas essas percepções. A qualidade das relações que a empresa nutre com seus atores impacta na qualidade dos resultados financeiros ou no capital. Não importa se é hospital, banco, fabricante de cosméticos, fazenda ou startup.”
Inspirado na classificação de risco usada por agências de crédito, o rating de consciência mede quanto uma empresa pode gerar de valor de maneira intencional para todos os stakeholders. “A gente está medindo capitais intangíveis, que geralmente não são medidos. É a percepção de pessoas e organizações olhando a companhia dentro de uma lógica integral.”
A pesquisa segue princípios do capitalismo consciente e fundamentos de modelos de desenvolvimento humano, estratégia de valor compartilhado e cultura organizacional.
Há 11 níveis: AAA, AA, A, BBB, BB, B, CCC, CC, C, D e E. As organizações com índices de A a BBB – no total, 64 na pesquisa – servem de benchmark para o restante. Essas empresas têm elevado grau de maturidade de gestão, relações positivas e alta percepção de valor gerado para lideranças, colaboradores, clientes, parceiros e sociedade. Nenhuma companhia brasileira atingiu os ratings AAA e AA, extremamente positivos (leia mais abaixo).
Das 150 organizações com índices A, BBB e BB, apenas 13,3% são grandes e 62% são micro ou pequenas empresas. As menores são mais humanizadas então? “Nelas, o processo decisório tende a ser mais rápido”, responde Paro. “Comparando os diferentes portes, as grandes tendem a ter uma avaliação menor no propósito e na cultura. Nas pequenas, há uma proximidade maior com os fundadores. É mais fácil de nutrir isso do que em organizações com 100 mil funcionários. O desafio de uma multinacional é muito maior.”
A lista das 64 empresas mais bem posicionadas tem nomes como Clear Sale (nota A), Sítio Barreiras (BBB) e Prezunic (BBB) entre as companhias de grande porte. Nas médias, algumas das organizações com índice BBB são Elo7, Raccoon, Liv Up, Dengo Chocolates, Copastur, DP6 e Sacolão da Santa. As pequenas Nortus e Três Investimentos estão com rating A, enquanto Medicatriz Dermocosméticos, eureciclo e Chico Rei são BBB. Os destaques entre as microempresas incluem Exchange do Bem (A), WTF! School (A), Legado Cafés (BBB), Nano Incub (BBB) e Qura Editora (BBB).
Entre as companhias de grande porte, a Reserva não enfrenta dificuldade de expressar internamente seu propósito. Empresa do Sistema B, a marca de moda mantém diversos programas e benefícios para seus funcionários, caso da chance de participação societária para colaboradores que mais se destacam, da licença-paternidade de 45 dias (válida tanto para casais heterosexuais quanto homoafetivos), do treinamento interno chamado de Escola de Rebeldia e do programa de realizações de sonhos Bota na Vitrine.
“A Reserva praticamente nasce com uma preocupação socioambiental e, no decorrer do tempo, a gente pensou em como poderia devolver isso. Temos muitos programas, projetos e ações que trazem foco para cada público”, diz Alan Abreu, analista de Sustentabilidade da organização, que ficou com índice BB, assim como a Localiza, grande de locação de veículos. “O projeto Rebelde com Causa, por exemplo, estimula o empreendedorismo social. No 1P5P, uma peça é igual a cinco pratos. Ele não é pontual, mas recorrente desde 2016.”
Para Abreu, a pesquisa é uma oportunidade de observar pontos para melhoria, a partir do diagnóstico feito pela Humanizadas. “As lideranças respondentes dentro de colaboradores se mostram muito engajadas. Mas um dos principais aspectos que afetaram muito a nossa pontuação foi um engajamento menor do cliente. Já serve para ver que precisamos cuidar dessa comunicação, para ele enxergar o valor disso.”
Dedicada à produção orgânica, a Fazenda da Toca dá às questões ambientais e sociais o mesmo peso das financeiras. “Essa forma de gerir as empresas endereça tudo o que a sociedade demanda. Não tenho dúvida. Isso é econômico, é totalmente business. Essas empresas são as que terão valor no futuro”, afirma Fernando Bicaletto, CEO da Fazenda da Toca, também pertencente ao Sistema B.
A organização participou da 1ª edição do levantamento da Humanizadas e ficou entre as 22 empresas que se destacaram na ocasião. “Tem sido um aprendizado. Sempre tem uma oportunidade de melhoria com esse olhar de fora sobre o nosso processo. Além disso, com a barra comparativa, o benchmarking, você consegue ver sua pontuação em relação a outras.”
A Humanizadas não é uma consultoria, mas um player externo que traz o diagnóstico da maturidade das relações da companhia com todos os agentes. “Eu abro mão de dinheiro, de recurso financeiro para a startup, para evitar o conflito de interesses. A gente certifica o indivíduo. As empresas evoluem por conta delas”, explica Paro. “Como eu faço isso tem uma grande diferença para uma avaliação de sustentabilidade e ESG, que quem responde são especialistas nas empresas e um auditor externo vai ver se aquilo procede. Os instrumentos de ESG não ouvem os parceiros e a sociedade em geral.”
É deixar a zona de conforto para abraçar a oportunidade de mudar espelhado em outros bons exemplos, segundo o CEO da Fazenda da Toca, que alcançou rating BBB no grupo de micros e pequenas, mesmo índice atingido pelas grandes Natura e Magazine Luiza. “Se a régua não sobe, a gente pensa que não precisa avançar”, acredita Bicaletto.
Os índices na pesquisa
- AAA e AA (ambos 0% do total de empresas pesquisadas): Maturidade de gestão mais elevada, relações extremamente positivas e alta percepção de valor gerado para lideranças, colaboradores, clientes, parceiros, sociedade e planeta.
- A (5,31%) e BBB (23,01%): Maturidade de gestão alta, relações positivas e alta percepção de valor gerado para lideranças, colaboradores, clientes, parceiros e sociedade
- BB (38,05%) e B (23,89%): Maturidade de gestão acima da média, relações saudáveis e ótima percepção de valor gerado para lideranças, colaboradores, clientes, parceiros e sociedade em geral
- CCC (6,19%) e CC (2,65%): Maturidade de gestão na média do observado, relações com problemas pontuais afetando a percepção de valor gerado para lideranças, colaboradores, clientes, parceiros e sociedade.
- C (0%) e D (0,88%): Maturidade de gestão abaixo da média, relações com problemas críticos exigindo profundas intervenções para melhorar a percepção de valor com diferentes stakeholders.
- E (0%): Maturidade de gestão mais baixa, relações extremamente deterioradas exigindo intervenções em caráter de urgência para não colocar em risco o futuro do negócio.
Quem pode usar os ratings de consciência e para quê?
- Investidores e fundos: No suporte da tomada de decisão antes de realizar um investimento, tomando-o como direcionador de oportunidades e mensuração das melhorias de gestão realizadas. Essas informações podem ser utilizadas para compor carteiras de investimento.
- Colaboradores e parceiros: Os dados trazem transparência e credibilidade da qualidade da gestão, podendo ser aplicados na avaliação da empresa no processo seletivo. Fornecedores e demais parceiros podem utilizar para identificar e monitorar o nível de qualidade das organizações com as quais se relacionam.
- Governança e gestão: Podem perceber oportunidades para melhorar o modelo de negócio e gestão e demonstram resultados intangíveis e permitem aumentar o valor do negócio e da marca.
- Clientes: Podem ser influenciados a tomar uma decisão de compra pela qualidade do modelo de negócio e da gestão.
- Governo e outras instituições: Podem valorizar a empresa pela gestão mais transparente e com credibilidade.
Fonte: ESTADÃO