Publicado por Redação em Carreira - 22/07/2021
Empresas criam metas para diversidade, mas como tirá-las do papel?
Nos últimos tempos, grandes empresas assumiram compromissos públicos com o aumento da diversidade nos seus quadros de colaboradores. De lá para cá, o tema virou parte da estratégia das companhias e, com isso, ganhou metas a serem cumpridas. Mas como trabalhar a diversidade, e principalmente a inclusão, e tirar essas metas do papel? Como as empresas estão correndo atrás do tempo perdido?
“Ser um tema estratégico significa que trabalhamos com ele como qualquer tema estratégico da empresa, ou seja, precisa de um objetivo, de métricas, metas, forma de acompanhar esses números e, principalmente, uma ambição compartilhada. Essa meta não pode ser só das áreas de diversidade e de recursos humanos, precisa ser de todos os atores”, explica Carolina Sampaio, líder de diversidade e inclusão da L'Oréal Brasil.
A empresa trabalha com quatro núcleos de grupos minorizados: gênero, raça, pessoas com deficiência e orientação sexual e identidade de gênero (LGBTI+). No último mês, a companhia tornou pública a meta de ter 30% de profissionais negros na liderança até 2025. Hoje, são 32% de profissionais negros na companhia e 14% em cargos de liderança.
Para definir a meta, é preciso, primeiro, entender qual é o retrato da empresa hoje. “Como eu vou falar para onde eu vou se eu não sei onde eu estou? Em que área da empresa a gente age sem dado? O diagnóstico da diversidade é o censo”, explica a consultora de diversidade Liliane Rocha.
Na L’Oréal Brasil, a estratégia foi criar uma campanha de conscientização e letramento racial para, depois, veicular uma pesquisa de autodeclaração, nominal, por área e cargo.
“Sempre tivemos a autodeclaração, mas sabíamos que precisávamos garantir que o número estava correto. Fizemos uma campanha para falar sobre as classificações do IBGE, a importância de se autodeclarar e para facilitar esse momento, pois só com números conseguimos estabelecer um plano estratégico que faz sentido”, destaca Carolina.
No caso da Nexa, multinacional de mineração e metalurgia, os números internos tornaram ainda mais evidente uma das desigualdades do setor: a presença predominantemente masculina. De acordo com um levantamento da empresa de inteligência norte-americana S&P Global Market Intelligence, em 2020, apenas 14,9% dos cargos executivos e 18% dos conselhos em mineradoras eram compostos por mulheres. Dados da Women Mining Brasil - movimento de fortalecimento da participação de mulheres no setor - mostram que o País está ainda um pouco mais atrás: são apenas 13% de mulheres na mineração brasileira.
Para começar a reparar os índices, a empresa estabeleceu uma meta, para 2025, de 20% de mulheres no quadro laboral e 25% nas posições de liderança. Hoje, os números são de 14% e 20%, respectivamente. O primeiro passo foi criar um censo para entender as demandas e atuar de forma mais customizada, já que há diferenças entre faixas hierárquicas nos dois Países em que atua na América Latina, Brasil e Peru.
“Censos obrigatórios, de raça, gênero e pessoas com deficiência, por exemplo, são mais fáceis de fazer. Se começarmos com um censo em outros grupos mais sensíveis, a gente sabe que vai perder respostas. As pessoas têm que ver um ambiente muito favorável para se declarar LGBT+, por exemplo. Se ela não achar que o ambiente é favorável, ela não vai responder. Nós fomos fazendo ações de conscientização para então trabalhar com o censo. A próxima etapa é rodar uma pesquisa para identificar LGBT+”, conta Lívia Monteiro, gerente geral de Desenvolvimento Humano e Organizacional da Nexa. A empresa trabalha, atualmente, com os núcleos de gênero, raça, LGBT+, pessoas com deficiência e diversidade etária.
Recrutamento e seleção
Na prática, antes de iniciar o processo de recrutamento, é preciso treinar recrutadores e a empresa como um todo para que essas pessoas não só estejam aptas a encontrar e selecionar profissionais de grupos minorizados, como também contribuam para um ambiente interno acolhedor. As medidas começam em ações muito simples, como, por exemplo, revisar os anúncios de vagas para garantir a inclusão.
“Os textos de anúncios de contratação só faltam pedir explicitamente por um candidato homem. Tem que mexer nas imagens, que ainda hoje são muito conservadoras, no sentido de mostrar só homens brancos ou quando mostram mulheres e negros são de banco de imagem de outros países, aí você não se vê ali. Precisa alterar as fichas cadastrais e procurar as pessoas nos lugares onde elas estão”, explica Liliane Rocha.
Em médio prazo, é preciso trabalhar também a mudança de mentalidade e a cultura da empresa, com treinamentos sobre temas como, por exemplo, vieses inconscientes - aqueles preconceitos que não percebemos, mas que influenciam os nossos pensamentos e atitudes e que podem nos fazer, por exemplo, sentir mais simpatia por alguém que se pareça fisicamente com a gente ou que tenha cursado a mesma faculdade.
“Isso ajuda a preparar melhor a pessoa de RH que vai estar na ponta do processo seletivo e também a pessoa que vai apoiar a liderança na hora de escolher o candidato. Não vou falar que isso já acontece de forma natural, porque, se fosse, a gente não estava nem tendo essa conversa, mas tem acontecido de uma forma bacana”, conta Ana Marcia Lopes, vice-presidente de Recursos Humanos, Responsabilidade Social e Ouvidoria da Atento Brasil - multinacional do setor de atendimento.
A empresa estabeleceu uma meta de contratação de 100 profissionais transgêneros por ano, mas, por ainda não ter feito um censo demográfico, não sabem informar o porcentual de profissionais trans atualmente. Uma pesquisa está prevista para 2022. Para chegar nesses futuros contratados, a Atento aposta em parcerias com outras empresas e associações de empregabilidade, como a Transempregos (organização que faz ponte entre empresas e profissionais trans) e a Feira Diversa (evento organizado pela consultoria Mais Diversidade e que apresenta estudantes e recém-formados LGBT+ e empresas).
“Ter meta e comunicá-la tem que ser entendido como positivo, porque se uma mulher trans não sabe que ela pode estar naquela empresa, ela não vai se candidatar. Quando olhamos para o universo trans já vem uma profissão pré-determinada e não vai ser o que a garota trans quer para ela. Queremos ser gestoras, diretoras, professoras, advogadas, médicas, tudo”, destaca Nicole da Silva Ferraz, supervisora de tecnologia voltada ao marketing digital na Atento. Aos 38 anos, Nicole está há 15 na empresa. “Quando você sabe que os lugares te aceitam e precisam de você - não só pela sua identidade, mas pela sua competência - e que, por ser quem você é, você pode ir tranquila, isso estimula.”, completa.
Engajar as áreas
Outra estratégia utilizada pelas empresas é a de estabelecer metas para cada área da companhia, como no caso do Nubank. Em 2020, a fintech se viu envolvida em acusações de racismo nas redes sociais, após declarações da co-fundadora Cristina Junqueira sobre diversidade nas contratações de profissionais negros, no programa Roda Viva, na TV Cultura.
De lá para cá, a empresa estabeleceu a meta de contratar 2 mil profissionais negros até 2025 e 500 já foram contratados nos seis primeiros meses deste ano. Atualmente, 30% dos funcionários se declaram pretos ou pardos e 59% dos gerentes são de grupos minorizados, sendo 28% deles negros.
“A gente entende que as pessoas que mais sabem encontrar profissionais são o RH e a própria área, então quebramos a meta semestral para cada uma das áreas. Cada uma delas sabe, dentro do total de pessoas que ela vai contratar, o percentual de profissionais negros. Cada uma das áreas teve uma fotografia detalhada de como estavam, para pensar que precisavam mudar. Temos uma atualização semanal de como estamos versus os nossos objetivos de diversidade e inclusão”, explica Deborah Abisaber, gerente de diversidade e inclusão do Nubank.
Como toda política de cotas, as metas surgem para cumprir reparações históricas e já nascem com a expectativa de um dia não precisarem mais existir. “Daqui um tempo não vai ter mais a necessidade de uma cota, de uma meta, uma obrigatoriedade. As empresas vão fazer o anúncio de vaga e qualquer pessoa vai se inscrever, e as mulheres trans vão estar lá, participar dos processos, sendo aprovadas, buscando promoções internas”, diz Nicole.
Fonte: ESTADÃO