Publicado por Redação em Gestão do RH - 30/08/2022

Empresa é lugar para discutir política?


Mimi Thian/Unsplash/Divulgação

Estamos num período especial do Brasil: a preparação para as eleições de vários cargos nos poderes Executivo e Legislativo. O voto é uma conquista de países democráticos e que foi se consolidando como um dos mais importantes direitos igualitários ao longo dos dois últimos séculos.

Com a aproximação desse período, é natural que o debate dos mais diversos temas correlatos ganhe espaço em nosso dia a dia, estampado em manchetes de jornais, capas de revistas, chamadas de blogs, podcasts etc. Há uma verdadeira inundação do tema em todo o nosso cotidiano.

Há quem simplesmente fuja, mudando de canal, lendo menos, evitando conversar sobre esses assuntos, muitas vezes pelo receio de que opiniões diferentes nem sempre são bem recebidas ou geram posições de antagonismo, desentendimentos. Há quem mergulhe, debatendo, postando, repassando e lendo avidamente, em fontes que considere confiável, notícias que possam ajudar a compreender, discernir, influenciar e alicerçar escolhas.

Em geral, as duas posições são exercitadas na vida privada. Em nossa vida dentro das organizações, o assunto é rapidamente citado nos intervalos de café, nos corredores, em breves inícios de reunião. A abordagem, na maioria das vezes, lembrando fatos divertidos ou estranhos, comentários sobre polarização de opiniões ou algo assim, mas notadamente de forma impessoal.

Por que de forma impessoal? Pelo histórico receio de que possíveis diferenças possam gerar debate, uma discussão ou mesmo algum grau de animosidade. Assim, evitamos, no limite do possível, as posições pessoais — ou seja, expressar a opinião. Sabemos que o resgate de uma situação genericamente de “mal-estar” dá trabalho!

Além do que, fomos educados com a máxima de que “religião, política e futebol não se discute”, nem na empresa nem no almoço de família! Sabemos que são temas que suscitam paixões e, como tal, podem rapidamente fugir ao racional e nos levarem a atitudes típicas de quem “pensa com o estômago e decide com o coração”.

Mas será que esse é o melhor caminho?

As empresas estão inseridas em nossa sociedade, e movimentos políticos, em geral, têm consequências diretas ou indiretas sobre a economia, portanto, sobre as empresas. Então, qual a resposta para a pergunta: Empresa é lugar para discutir política?

Acho que temos três possíveis respostas e, ao final, deixarei claro qual me parece a mais adequada.

“Não”. Empresa não é lugar para discutir política

Afinal, já temos desafios suficientes com a volatilidade da economia e com a competitividade crescente em (nossos e quase todos) mercados. Temos que focar toda energia em buscar melhores resultados. Precisamos da equipe construindo relações colaborativas e duradouras, e assuntos “difíceis” ou que suscitam o debate e possíveis desentendimentos devem ser evitados. Clima ruim tem impacto direto sobre os resultados.

“Sim”. Empresa é lugar para discutir política

Afinal de contas, já discutimos. Não temos um espaço formal para isso, mas, nos almoços, em mensagens de texto, nos intervalos de forma geral não há como fugir do tema, nem temos como controlar isso. Faz parte da vida. O que não se pode fazer é institucionalizar a discussão, ou seja, a empresa promovê-la ou ocupar espaço “de trabalho” com esse assunto.

De qualquer forma, sabemos que é um assunto discutido por todos e basta entrar nas publicações pessoais das redes sociais de muitos profissionais e veremos seu posicionamento claro. Portanto, já discutimos política no espaço de trabalho.

“Deveríamos”. Empresa deve ser um lugar para discutir política

“Política” é uma palavra com muitos significados de senso comum. Ela abriga diversos entendimentos que depuramos de acordo com o contexto: “fazer política (politicagem) é estar envolvido com o poder de decisão, diretamente ou buscando influenciar esse processo”. “Ser político” pode ser, ao mesmo tempo, atuar de forma conciliadora e buscando uma posição de neutralidade… e por aí vai.

Mas de onde vem a palavra, mesmo? Se voltarmos um pouco a nossos bancos escolares iremos nos lembrar que a palavra deriva de “polis”, que na Grécia eram as cidades. Assim, um ser “político” é aquele que exerce o seu direito e dever de pertencer a uma cidade, um exercício a que chamamos de cidadania.

Exercer direitos e observar deveres nos remete à esfera das regras de convivência dentro da “polis”, traduzidas em conjuntos de leis (tácitas e até explícitas), constituídas para garantir a harmonia no exercício de opinião ou sobre os espaços, garantindo também a construção do futuro.

Uma pessoa jurídica, analogamente, não teria também uma expressão de cidadania? Não está sujeita a deveres e possui direitos constituídos? Não tem impacto ou influência sobre toda a cadeia de valor que constituiu ou na qual está inserida? Possui largo poder de influência sobre a cultura daqueles que ali trabalham, multiplicando valores, boas práticas e bons hábitos? Sim!

Então, diria o leitor, estou induzindo a pensar que a empresa, pessoa jurídica, precisa declarar seu posicionamento político, consequentemente suas preferências por candidatos, partidos, ideologias? Poderia, mas não sugiro isso e, sinceramente, não gosto da ideia.

Acredito até que não é o ideal, pois, ao fazê-lo, dentro de sua cultura e por força do alcance de sua comunicação e ação, poderá inibir opiniões diferentes e quase definitivamente abrir mão do cultivo da diversidade de opiniões, tão importante para o processo criativo e para a inovação, apenas para citar um dos benefícios.

Prefiro apostar em outro caminho: estamos ampliando a consciência de “posicionamento e impactos” da existência de uma organização na sociedade, de forma regional ou global. Esse é um processo evidentemente progressivo e ocorre há anos, como vimos na grande onda da Responsabilidade Social Empresarial ao final da década e 80 e, agora, com a disseminação dos conceitos de ESG (apenas para citar dois movimentos notórios no meio empresarial, e sem querer menosprezar a importância de inúmeros outros.

A origem desse processo é tema para outra “conversa”, mas as variáveis de impacto e contorno são muitas e nos remetem à revisão da forma de ação, senão de existência, de muitas empresas. Desde o aperfeiçoamento da legislação, o aumento da pressão de consumidores, a degradação dos indicadores de equilíbrio climático, etc. O que importa é que parece ser um movimento crescente, consolidado e que já faz parte da pauta e dos valores de um conjunto significativo de jovens das gerações Z e Y e de uma parcela significativa da sociedade. Um número crescente de empresas parece disposta a não ignorar e ainda absorver, cultivar e disseminar o que consideram boas práticas em Gestão Ambiental, Social e Governança. Multiplicam-se cursos, certificações, formações, regras, debates e formação de pessoas e cultura organizacional.

E é nesse caminho, especificamente buscando oportunidade no “S” de ESG, que acredito ser um dever (sim, isso mesmo, um dever) das empresas abrirem espaço para refletirmos sobre política. E não me refiro a convidar analistas políticos para palestrar ou ajudar no desenho do cenário competitivo para a sua indústria. Isso muita gente já faz e o alcance é limitado quando pensamos o número de pessoas envolvidas, relativamente ao número de funcionários das empresas ou seu impacto e alcance na sociedade.

O que acredito ser mandatório para exercitarmos parte importante do “S” é promover espaços organizados de reflexão e debate sobre o que é o exercício da cidadania. O que é o exercício de fazer parte de uma “polis” e preocupar-se com a sua preservação nas condições de convívio, construção do futuro e manutenção das condições de contorno para a sobrevivência da humanidade.

As empresas precisam ter a iniciativa de criar e debater o exercício político não pelo apoio à “A” ou “B”, mas usar o seu alcance (que é enorme) e poder de formação de pessoas, para que possamos aprender a acolher opiniões diferentes não como contrárias, mas como potencialmente forma de aperfeiçoar nossa própria opinião. Ou ainda, pela percepção dos benefícios do cultivo do pensamento divergente, de forma respeitosa e acolhedora, para testarmos e validarmos as nossas próprias certezas. Para percebermos que da “soma de diferentes” é possível e pode resultar em algo melhor do que imaginávamos ou de maior alcance. É dentro da empresa que precisamos debater e nos preocuparmos com a estrutura de nossas cidades e sua relação com o meio ambiente, ou dinamicamente, com o ecossistema em que estamos inseridos. É onde podemos aprender o correto (ou strictu sensu) da própria palavra “político”, onde podemos ensinar o que é a estrutura dos poderes de nosso país, onde podemos explicar o que é o exercício da cidadania (que seja pelo menos do ponto de vista legal), deixando claro direitos e deveres e, na melhor das hipóteses, ampliando a consciência do nosso impacto coletivo no mundo.

Assim, reafirmo: se as empresas querem assumir a sua responsabilidade sobre ESG e praticá-la efetivamente, precisam incluir nos temas de preocupação e desenvolvimento de pessoas o exercício político, ou melhor, de cidadania! Exercendo o seu melhor papel de qualificação do discurso e de boas práticas de mediação e escuta ativa, buscando sempre antes à compreensão e não a polarização, o aprofundamento da reflexão antagonicamente à ação cega pelo passionalismo ou justificada pelo instinto.

O momento é propício: as pessoas estão dispostas e expostas às mais diversas discussões “políticas” e, muitas vezes, participando ou interpretando dados e informações de forma equivocada ou parcial apenas por ignorância (no sentido estrito de ignorar como sinônimo de não saber, desconhecer). Que papel nobre, positivo será trazermos para dentro de nossas organizações o debate que amplie perspectivas, promova a inclusão e a escuta para, juntos, construirmos um futuro que possa ser melhor. O debate político já está aí — é nossa responsabilidade coletiva qualificá-lo. O benefício será de todos!


 

Fonte: Você RH
Por João Roncati


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