Publicado por Redação em Notícias Gerais - 22/06/2015

'Lição de cidadania é lutar pela educação', diz Apeoesp

Para presidenta do sindicato dos professores da rede pública estadual paulista, docentes se ressentem da intransigência dos governos do PSDB

Intransigência, autoritarismo, humilhação, diz a presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp), Maria Izabel Azevedo Noronha, a Bebel, ao afirmar que não tem sido fácil negociar com os governos do PSDBque se revezam no comando do estado desde a década de 1990. “Para eles, o professor ir às ruas é mau exemplo aos alunos, quando na verdade ir às ruas lutar por seus direitos é exemplo de cidadania, de democracia.” Nesta entrevista, concedida uma semana antes de greve terminar, Bebel dialoga sobre o ensino público paulista, e o fato de governo e imprensa omitirem o movimento dos professores fazer parte de um mesmo raciocínio. Mais que uma greve, há uma discussão estrutural a ser feita, de profissionais que trabalham na escola pública, para filhos e filhas da classe trabalhadora. "Como a elite não estuda ali, por que debater a greve?"

Defender o salário do professor não é corporativismo?

Sim, há esse aspecto, mas a greve é uma discussão estrutural. Um profissional valorizado melhora a qualidade do ensino e pode ser cobrado. Como cobrar alguém que ganha R$ 2.460,00 por 40 horas semanais? Fazer tudo isso por amor, sim, mas é errado abrir mão da vida – o que esses trabalhadores têm feito. O governo tem sido avisado do nosso descontentamento ao longo dos anos. Não estamos contentes com a maneira que implantaram a escola de tempo integral, com a diferença salarial dos professores dessas escolas, que ganham 70% a mais, na forma de gratificação incorporada ano a ano. O governo diz que é absurdo reajuste de 75% no nosso salário, mas não é para fazer funcionar a escola de tempo integral.

Vem daí o parâmetro para correção salarial da categoria em 75% até 2020?

Não só do próprio governo. O parâmetro vem também do Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado sem vetos pela presidenta Dilma Rousseff em junho de 2014. O PNE determina, em sua meta 17, a equiparação do salário dos professores com o dos demais profissionais com nível superior. Segundo o IBGE, a diferença é de 75,33%, que aliás nem estamos pedindo de uma vez. O prazo é até 2020. O salário do professor tem de sair do piso atual, de R$ 2.480, para R$ 4.237, em 2020. E tem de continuar a subir. Mas também não significa congelar até lá. Tem de acompanhar a inflação do período. Todo ano o governo dá alguma coisa, mas não apresenta uma política de valorização. Equiparar é ter nem mais nem mesmo, mas igual. Questão de justiça para um trabalho intelectual, em classes superlotadas, heterogêneas, com histórias diferentes, que exigem muito.

A pauta vai além da questão salarial. O que ela traz embutido?

Por debaixo da greve, que é o que aparece, está o fundamental, que é garantir uma escola de qualidade para os filhos dos trabalhadores. São eles que precisam de uma escola melhor, mas o governo tucano, há 20 anos no poder em São Paulo, não tem compromisso com a educação, como não tem com a gestão da água, da saúde, da moradia. O governo olha apenas para o orçamento. Só que em Minas Gerais o atual governador, Fernando Pimentel (PT), que pegou o estado com rombo de R$ 7 bilhões, um dos maiores da história, está dando 32% de reajuste aos professores, a ser pago nos próximos dois anos. É questão de prioridade. A educação não é prioridade para Alckmin e seus antecessores tucanos, que sempre nos trataram assim.

Essa realidade está clara no movimento dos professores?

Temos de escancarar tudo: a superlotação das salas de aula pelo fechamento 3.390 salas no início do ano, a forma de contratação dos professores temporários, o modo de organização das escolas, que não acolhe. Como enfileirar os alunos, um atrás do outro, e querer que prestem atenção e aprendam? É preciso outro modelo, que faça sentido para eles, o que é impossível com as salas superlotadas. O mínimo passou a ser 40, 45 por turma. E o máximo até 84, o que não é raro na rede. Como ensinar? O governo aposta na evasão para justificar o fechamento. Com a saída dos alunos, diminui a lotação e acerta tudo. Não queremos essa relação de causa e efeito em que a lotação é mais um fator de desestímulo. O aluno fica fora da escola até a idade para entrar na suplência, porque sabe que não vai aprender nada mesmo.

Como tem sido a contratação de professores pelo estado?

Pelas regras em vigor, os professores temporários trabalham 200 dias e ficam um ano sem trabalho – a chamada duzentena. Mas na educação, assim como no atendimento à saúde, não pode haver interrupção, não pode faltar professor. É um trabalho coletivo e subjetivo. Os alunos não são coisas, são pessoas. A juventude que está aí é antenada; os jovens querem o que faça sentido para eles, e isso dá mais trabalho ao professor.

O professor consegue se preparar para atender a essa demanda?

O governador Alckmin não cumpre a Lei 11.738/2008 (Lei do Piso), que determina que o professor tenha 33% da jornada destinada ao preparo e correção de provas e atividades e à sua formação continuada. Mas isso não acontece. Hoje, numa jornada de 40 horas semanais, nós entramos em sala de aula 32 e ficamos oito fora. Não dá para fazer nada nessas oito horas. Pela jornada do piso, são 26 aulas e 14 para trabalho fora da sala de aula, o que permite tudo isso. O professor está levando trabalho para casa, sem receber por isso. Estados mais pobres, como Sergipe, oferecem 34% da jornada semanal para atividades extraclasse. Aqui, o tempo corresponde a 17%.

Como usar esse tempo para preparo de atividades e formação continuada?

Esse tempo é suficiente, sim, para a formação continuada, que deve acontecer dentro da escola. É necessário firmar convênios, trazer a universidade para dentro da escola, para que o professor possa influir na reforma da formação docente, que tem currículo desatualizado. A universidade prepara para uma escola ideal, não para a real. A universidade preconiza o ensino a partir da interdisciplinaridade, defende que as disciplinas dialoguem entre si, mas não ensina como fazer isso. Com tudo isso é possível começar a mudar a escola.

Por que a situação da educação pública foi piorando com o passar do tempo?

A escola pública era boa enquanto estudavam ali os filhos da elite. Basta observar prédios escolares antigos, como o Caetano de Campos, hoje sede da Secretaria Estadual da Educação. Há espaço, iluminação, ventilação. Quando a escola pública começou a se abrir para o pobre, a elite retirou seus filhos. Não era preciso mais escola boa. A elite, no poder, acredita que para pobre qualquer escola serve. Pode ser construída em cima de morros, perto de esgoto, apertada, improvisada, onde se desmancha a biblioteca para virar sala de aula. Acho que quem faz o pior também pode fazer o melhor. Mesmo que sejam pequenas e simples, as escolas podem ser simpáticas, funcionais e acolhedoras.

A Apeoesp é a favor da reprovação?

A desvalorização da escola pública trouxe consigo medidas como a aprovação automática, que considero criminosa, e que nada tem a ver com progressão continuada. Para mim, foi a morte de uma geração, que passou pela escola sem a garantia de seu direito ao conhecimento, sendo excluída lá na frente, reprovada em testes e concursos. Tanto que sobram vagas para jovens qualificados. Não defendo a reprovação, mas a promoção automática tem de ser banida porque distorce um projeto pelo qual lutamos, que era um conjunto de medidas para fixar o aluno na escola, com atendimento individualizado, com maiores chances de aprender, com reprovação em último caso. A promoção automática foi instituída em 1996, no governo Mário Covas, pela então secretária Rose Neubauer, para quem era mais barato aprovar automaticamente. Hoje estamos sofrendo as consequências. Uma política minimalista, fazer de conta, mostrar números, estatísticas, que matou uma geração. Essa política é mais uma questão numérica do que pedagógica, de cima para baixo, de uma hora para outra, sem ouvir os professores. E aqueles que reprovassem seriam desautorizados, com o aluno podendo recorrer e ser aprovado.

Em que medida essa política mudou a escola?

A escola perdeu o significado, o aluno ficou ocioso, não acha nada interessante – o que explica em parte a violência nas escolas. O professor perdeu a autoridade, que não deve ser confundida com autoritarismo. Autoridade porque não é ultrapassado que os mais jovens aprendam com os mais velhos. Nem a reprovação pode ser instrumento de poder e controle sobre o aluno, algo como “eu te pego, hein..”. Esta é uma das razões de defendermos a progressão continuada, e não a aprovação automática que aí está.

A Apeoesp é contra as escolas em tempo integral somente por causa do aspecto salarial?

Não somos contra o ensino em tempo integral, mas esse modelo de escola não inclui. Na verdade, exclui os alunos que fogem do padrão. E funcionam em regiões mais centrais, distante das periferias onde moram os alunos que mais precisam de mais tempo na escola. Além disso, não pode ser na marra e tem de começar com os alunos mais novos, não no ensino médio, com aluno trabalhador. Nesse caso, para evitar a evasão, teria de dar uma bolsa. E esse modelo não integra o currículo, misturando atividades desconectadas, que cansam alunos e professores num ambiente autoritário, fictício.

O que de imediato pode ser feito para melhorar a educação?

O governo precisa entender que não é dono de tudo porque foi eleito. Educação não tem dono, nem partido político. É para ser política de estado. Por isso, o PNE instituiu um sistema nacional articulado, com financiamento baseado no Custo Aluno Qualidade (CAQi), que permita acabar com as desigualdades na qualidade do ensino oferecido a todos os brasileiros, em que União, Distrito Federal, estados e municípios atuem juntos em nome de um bem comum, e não cada um fazer do seu jeito porque os prefeitos são de partidos diferentes. Lutamos pelo PNE, agora pelos planos estaduais. Vamos ver se o texto saiu como queríamos. Se for conforme a concepção tucana de educação, pelo amor de Deus. Precisamos fazer valer o PNE, que representa avanços à educação, mas precisa sair do papel.

Fonte: Revista Carta Capital


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