Publicado por Redação em Mercado - 25/04/2023
Digitalização faz empresas driblarem baixa produtividade
O Brasil está fora do círculo dos países mais produtivos do mundo. Nossa baixa produtividade custou à indústria R$ 500 bilhões em 2022. O valor corresponde ao que seria um acréscimo de 5,6% no PIB, de acordo com um levantamento da Cogtive, startup que ajuda indústrias a aumentar a eficiência das linhas de produção. Não tem a ver com preguiça ou com as pausas para o cafezinho (emboram sim, isso até pode ter alguma influência na sua produtividade pessoal). A questão é maior, ainda que parte dela esteja ligada a pessoas. “Em geral, os trabalhadores brasileiros têm baixa escolaridade e dificuldade de se colocar numa empresa mais moderna por não dominar tecnologias”, diz Fernando Veloso, pesquisador do FGV IBRE (Instituto Brasileiro de Economia).
Ainda assim, mudanças em processos e digitalização podem levar empresas a driblarem problemas macroeconômicos e dar saltos produtivos individuais. Desde 2021, a Nestlé trabalha com a startup Workverse para desenhar novos processos de onboarding, nada mais do que a integração de novos funcionários, digitais e gamificados. Hoje, o proesso é feito em 32 unidades de negócios da Nestlé.
O resultado foi uma economia de mais de 500 horas por mês do time de Recursos Humanos – ou mais de 20 dias de trabalho – e 60 horas de cada recém-contratado. “A redução da participação do time em processos de treinamento trouxe menos demandas operacionais relacionadas à integração de novas pessoas”, diz Izabel Azevedo, diretora de talento e cultura da Nestlé.
A Workverse tem, entre os clientes, Vivo, Pepsico e Carrefour, que a contratam para melhorar seus processos de seleção e admissão. “70% das ofertas de emprego são aceitas em até 15 minutos e a admissão e o onboarding são 10 vezes mais rápidos”, diz Carolina Pereira Guimarães, COO e cofundadora da HR Tech.
Digitalização aumentou a produtividade da Natura
Enquanto a Irlanda produzia US$ 125,09 por hora, o Brasil produzia cerca de US$ 19,20. Até mesmo o Chile fazia mais no mesmo tempo, US$ 28,42, segundo dados de 2019 do World Population Review. Depois da Irlanda, os outros países no top 10 mais produtivos eram Luxemburgo, Dinamarca, Bélgica, Noruega, Suíça, França, Estados Unidos, Áustria e Suécia.
Um brasileiro leva uma hora para fazer o mesmo produto ou serviço que um norte-americano faz em 15 minutos – e um alemão ou coreano, em 20 minutos. Entre os principais fatores que explicam a produtividade baixa local estão a complexidade do sistema tributário, que influencia investimentos, além da falta de infraestrutura para abrir e desenvolver negócios e, com isso, levar as organizações a um patamar mais alto. “O Brasil tem uma massa muito grande de empresas de produtividade baixíssima, mesmo comparado com Chile, México e China”, diz Veloso, da FGV.
A Motz, do grupo Votorantim, deu um salto de produtividade a partir de um diagnóstico feito pela HR Tech Kultua. Em uma pesquisa interna, 15% de seus colaboradores disseram esperar uma empresa mais estruturada e eficiente para se sentirem produtivos e realizados. Conforme esses temas foram tratados ao longo dos meses, esse grupo foi reduzido para 9%. A mudança na Motz foi relativamente simples: incluiu um levantamento para reduzir burocracias e demoras na tomada de decisão, bem como as falhas de planejamento que culminavam em prazos curtos e sobrecarga de trabalho. “Foi realizado um trabalho de liderança estratégica para redução desses obstáculos”, diz Lívia Brandini, CEO e fundadora da Kultua.
Um levantamento feito pela consultoria McKinsey mostrou, no entanto, que a transformação digital encabeça as práticas adotadas pelas empresas mais produtivas do mundo, com as quais devemos aprender. E o case da Nestlé reforça essa ideia.
Na Natura, a digitalização dos processos de vendas ao consumidor, que começou há 10 anos com a ajuda da consultoria Accenture, levou a um salto de produtividade. Segundo a Natura, as consultoras que utilizam ferramentas digitais, como WhatsApp, outras redes sociais e a própria plataforma da empresa, têm produtividade 35% maior do que quando usavam os antigos catálogos de produtos. Hoje, 78% utilizam a plataforma digital da companhia como canal de comunicação e vendas. Essa transformação digital, portanto, nem sempre envolve ferramentas complexas.
Nesse caso, a plataforma reúne as principais promoções e lançamentos e permite atualizações constantes, substituindo as revistinhas e as compras apenas presenciais. As consultoras também têm acesso a uma biblioteca de imagens e vídeos para compartilhar em suas redes de divulgação, além de um catálogo de vendas digital que permite que as compras sejam feitas pelo site da Natura e vinculadas ao perfil da consultora – ou mesmo por WhatsApp. “No começo, a venda era através do boca a boca. Agora, com o uso da tecnologia impulsionado pela pandemia, é muito mais pelo WhatsApp”, diz Mara Ester, consultora da Natura desde 2018, sobre o crescimento exponencial e a economia de tempo que a força de vendas alcançou com a mudança para o canal digital
Além da digitalização, o estudo da McKinsey cita outras práticas das empresas mais produtivas:
Investir em intangíveis: pesquisa e desenvolvimento, propriedade intelectual e capacidades da força de trabalho;
Construir uma força de trabalho pronta para o futuro: focar menos em qualificação e mais em experiências; treinar as pessoas em diversas áreas; expandir políticas de licença parental e creche para reter os melhores talentos e oferecer flexibilidade principalmente para mulheres e pessoas mais velhas;
Adotar uma abordagem ampla: maior conexão com cadeias e talentos globais e novos mercados.
Home office aumenta a produtividade
Antes de 2020, a produtividade brasileira estava em queda desde a década de 1980. Com a pandemia, em um primeiro momento, o quadro mudou. “Não porque as empresas adotaram mais tecnologia ou porque a educação melhorou, mas porque os trabalhadores menos qualificados saíram do mercado naquele momento”, diz Veloso, da FGV. E isso elevou a média de produtividade nacional.
Com o retorno gradual pós-pandemia, a tendência de queda voltou e hoje a produtividade está abaixo da pré-pandemia. Segundo a Accenture, esse é um problema global. Os EUA também enfrentam desafios para retomar a produtividade, como escassez de mão de obra, dívida, inflação e o custo da transição energética. Se o país voltar ao seu ritmo, pode acumular US$ 10 trilhões no PIB até 2030. Mas atingir esse potencial exige um esforço conjunto de líderes empresariais e formuladores de políticas públicas.
Ainda na pandemia, que obrigou muitos funcionários a trabalhar de casa, o home office fez com que a maioria dos funcionários se sentissem mais produtivos, segundo uma pesquisa feita pela Fundação Dom Cabral em parceria com a Grant Thornton e a EmLyon Business School em março de 2021.
Mas os modelos híbrido e remoto se mantêm ainda hoje – uma análise do Pew Research Center mostrou que um terço dos trabalhadores nunca vai ao escritório – e a produtividade trazida por eles também. Segundo um novo estudo do Instituto Becker Friedman da Universidade de Chicago, o trabalho remoto economizou cerca de duas horas por semana por trabalhador em 2021 e 2022. As pessoas alocaram cerca de 11% desse tempo economizado em atividades de cuidado e 40% no próprio trabalho. Ou seja, são mais de 45 minutos a mais de trabalho por semana.
Veja outras formas que as empresas e os funcionários estão encontrando para aumentar a produtividade e o engajamento:
Ouvir os funcionários
O trabalho híbrido é a preferência de 69% dos profissionais, segundo o Índice de Confiança da consultoria Robert Half. Mesmo assim, alguns CEOs de grandes empresas estão pedindo para que seus funcionários voltem aos escritórios cinco dias por semana. “É importante respeitar o desejo do trabalhador e buscar a satisfação dos empregados. Porque quando uma pessoa se sente cansada e cobrada o tempo todo isso afeta a motivação e a produtividade”, diz Veloso, da FGV.
Trabalhar menos e produzir mais?
Trabalhar por mais horas não significa, necessariamente, ser mais produtivo. A adoção da semana de trabalho de quatro dias, uma tendência que vem de experiências em países como Reino Unido, Bélgica e EUA e gigantes como Microsoft e Unilever, tem se mostrado positiva e já está presente em solo brasileiro.
Um estudo divulgado no final de 2022 e conduzido por pesquisadores nas Universidades de Boston, Dublin e Cambridge mostrou que a maioria das empresas que instituíram essa prática em um projeto piloto tiveram aumento nas vendas, menos burnout e menor ociosidade dos funcionários.
Semana mais curta
A startup brasileira Crawly, de busca, coleta e análise de dados para empresas, foi uma das primeiras a adotar a semana de trabalho mais curta no país. O modelo está presente desde o seu início, em 2017, e em 2020 foi implantado para toda a empresa. As posições de liderança ainda não têm o benefício, mas a sexta-feira é um dia mais livre. “Não identificamos perda de produtividade. Pelo contrário, as pessoas trabalham mais tranquilas, motivadas e isso ajuda na retenção de talentos”, diz João Drummond, CEO da Crawly.
Trabalhar quatro dias por semana – sem redução de salário ou aumento de carga horária nos outros dias – é o que querem 81% dos profissionais brasileiros, segundo uma pesquisa do portal de recrutamento Empregos.com.br, mas muitos empregadores ainda não estão prontos para essa conversa.
Menos reuniões = mais produtividade
Algumas práticas interferem negativamente na produtividade, como o excesso de reuniões. Profissionais nos EUA ranquearam o excesso delas como o motivo principal para acabar com a produtividade das equipes, mostrou um artigo da Harvard Business Review. As pessoas gastam hoje mais de 85% de seu tempo em reuniões, segundo uma pesquisa do MIT Sloan.
E elas não têm apenas custo emocional, mas financeiro. Ou seja, reduzir reuniões traz menos gastos e mais produtividade. Essa conclusão gerou o movimento “no meeting day”, que começou nos EUA e consiste em definir um dia na semana em que reuniões não são permitidas na empresa.
No Brasil, grandes empresas como as farmacêuticas Sanofi, Galderma, a Cielo e a Bloomin’Brands, dona do Outback, também têm dias específicos em que os funcionários devem evitar reuniões internas, além de sextas-feiras mais curtas, as chamadas “short-fridays”.
Evitar o multitasking e atingir o “estado do flow”
O chamado estado de flow, conceito idealizado pelo psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi, descreve uma condição mental na qual o indivíduo imerge completamente no que está fazendo, entrando em um estado de foco máximo.
O efeito do estado de fluxo é tão poderoso sobre o cérebro que faz a pessoa perder o sentido de espaço e tempo e pode aumentar a produtividade em até cinco vezes, de acordo com um estudo da consultoria empresarial Mckinsey & Company. Para atingir esse estado, corpo e mente precisam estar saudáveis e descansados e o ambiente deve estar livre de distrações. Além disso, o indivíduo precisa estar realmente interessado e focado na atividade, evitando o multitasking – que, ironicamente, diminui a produtividade, mostram estudos.
Paranoia da produtividade
Se por um lado vemos grandes empresas com iniciativas para aumentar a produtividade melhorando o bem-estar dos funcionários, por outro, ainda está no imaginário de muitos chefes e subordinados a ideia de que sair do escritório tarde da noite e estar sempre correndo e atolado no trabalho garantem um status ao profissional – a receita perfeita para o burnout. “A ideia da sociedade do cansaço se aplica à forma como a gente vê o trabalho na contemporaneidade e que gera uma ideia de produtividade tóxica”, diz Michelle Prazeres, jornalista e idealizadora do movimento DesaceleraSP e da Escola do Tempo.
A produtividade tóxica é a necessidade incontrolável de se sentir produtivo o tempo todo, a todo custo, e pode ser prejudicial à saúde mental e física. Prazeres relaciona “A Sociedade do Cansaço”, do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, com a romantização e glorificação do trabalho na cultura da aceleração e da lógica do desempenho. “Quando o trabalho se totaliza à vida, fica muito difícil fechar a equação tempo, dinheiro, trabalho, bem-estar e saúde mental.”
Com a pandemia e o home office, empregadores que queriam ter maior controle sobre a rotina de seus funcionários no modelo remoto começaram a fazer microgerenciamento do tempo e muitos implementaram softwares para acompanhar o trabalho dos profissionais. Cerca de três em cada quatro utilizavam algum dispositivo de monitoramento das suas equipes, segundo uma pesquisa de 2021 da ferramenta de segurança na internet ExpressVPN. Além de a maioria dos funcionários não concordar com a prática e considerá-la antiética, ela não contribui para a produtividade.
Na verdade, a paranoia da produtividade, termo cunhado pelo CEO da Microsoft, Satya Nadella, pode ter o efeito oposto ao esperado. O termo surgiu de um estudo da Microsoft que identificou que há uma diferença considerável entre a porcentagem de pessoas que acreditam que são produtivas no trabalho (80%) e a porcentagem de gestores que creem que seus funcionários são produtivos (12%). Os líderes tendem a perceber menos a produtividade dos trabalhadores remotos e, assim, a exigir ainda mais produtividade dessas pessoas.
O caminho para aumentar a produtividade de uma equipe é o inverso: confiar nos profissionais e ouvir e atender suas necessidades, em casa, no escritório ou onde quer que seja.
Fonte: Forbes