Publicado por Redação em Saúde Empresarial - 11/05/2012
Descoberta molécula que protege contra insuficiência cardíaca
Insuficiência cardíaca
Uma equipe de cientistas brasileiros e norte-americanos desenvolveu uma molécula capaz de estabilizar e até mesmo reverter o processo degenerativo que ocorre na insuficiência cardíaca.
A insuficiência cardíaca é caracterizada pela incapacidade do coração em bombear sangue adequadamente e leva à morte 70% dos afetados nos primeiros cinco anos de sua ocorrência.
A molécula, batizada de βIIV5-3, descoberta por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Stanford, foi divulgada na revista PLoS One, um artigo cujo principal autor é Júlio Cesar Batista Ferreira.
"A insuficiência cardíaca é o resultado final comum de diferentes doenças cardiovasculares, como infarto do miocárdio e hipertensão arterial. Depois que o problema se instala, a sobrevida do paciente costuma ser relativamente curta, mesmo com a ajuda de todos os fármacos do mercado", disse Júlio Cesar, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.
A molécula contra-ataca
Júlio Cesar e Patricia Chakur Brum já haviam encontrado anteriormente indícios de que uma proteína chamada PKCβII (protein kinase C isoform βII) poderia ser a vilã por trás do processo que leva à insuficiência cardíaca.
Para testar sua hipótese, o pesquisador decidiu criar uma molécula capaz de inibir a ação dessa proteína nas células do coração. O trabalho foi feito em colaboração com a pesquisadora Daria Mochly-Rosen, da Escola de Medicina de Stanford.
"O βIIV5-3 é uma combinação de seis aminoácidos ligados a uma molécula carreadora, capaz de atravessar a membrana celular. Esse princípio ativo inibe a interação da proteína com seu receptor", disse Júlio Cesar.
Para chegar a essa combinação, os cientistas usaram programas de computador capazes de alinhar duas proteínas e apontar semelhanças e diferenças estruturais: "Isso permite escolher regiões específicas de interação entre essas proteínas."
Modelos animais
A equipe então testou a molécula em dois modelos animais. No primeiro, um grupo de ratos passou por uma cirurgia para obstruir uma artéria coronária e induzir o infarto. Cerca de um mês depois, os animais apresentaram sinais de insuficiência cardíaca. Metade foi tratada com o βIIV5-3 por seis semanas e a outra metade recebeu placebo.
"Após as seis semanas, a função cardíaca havia melhorado cerca de duas vezes nos animais tratados com o βIIV5-3, quando comparada ao grupo controle. Além disso, a mortalidade caiu de 35% para 3%", contou Júlio Cesar.
O segundo experimento foi feito com ratos que apresentavam grande sensibilidade ao sódio. Com seis semanas de vida, os animais foram submetidos a uma dieta rica em sal e, logo em seguida, desenvolveram hipertensão. Quando completaram 11 semanas, já estavam com sinais de insuficiência cardíaca e passaram a receber o tratamento ou o placebo.
A função cardíaca dos animais que receberam o βIIV5-3 melhorou duas vezes em relação ao grupo controle e, nesse caso, ficou igual à de ratos sem insuficiência cardíaca. Já a mortalidade caiu de 50% para 0%.
"Mesmo após o término do tratamento os animais que receberam o βIIV5-3 apresentaram reduzida mortalidade quando comparados ao grupo placebo", comemorou o pesquisador.
Rumo aos testes em humanos
Para provar que também em humanos a PKCβII desempenha papel decisivo no agravamento da insuficiência cardíaca, os pesquisadores avaliaram amostras de biópsia cardíacas de portadores desse problema.
"A relação foi clara: quanto mais altos eram os níveis de PKCβII, pior era a função cardíaca dos pacientes", contou Júlio Cesar. Essa etapa da pesquisa teve a participação de Berta Napchan Boer e Max Grinberg, ambos do Instituto do Coração (Incor) da USP.
O próximo passo foi entender por que a proteína PKCβII é deletéria ao músculo cardíaco. Para isso, os pesquisadores realizaram uma série de experimentos in vitro com a proteína isolada e com culturas de células cardíacas de ratos.
"Descobrimos que a PKCβII desregula o controle de qualidade das proteínas dentro das células cardíacas. Ela se liga ao proteassomo, um complexo intracelular que elimina as proteínas oxidadas, e impede que ele funcione adequadamente", explicou Júlio Cesar.
Para piorar, o coração com insuficiência torna-se um ambiente pró-oxidante, ou seja, no qual está favorecida a produção de radicais livres e outras substâncias tóxicas que danificam as proteínas e outras macromoléculas da célula.
"Como há aumento na produção de proteínas oxidadas e o controle de qualidade está desregulado, elas começam a se acumular e a impedir que as células cardíacas contraiam de forma apropriada. Com o tempo, o coração vai deixando de bater adequadamente e as células começam a morrer", disse Júlio Cesar.
Nos experimentos feitos com ratos, a molécula desenvolvida se mostrou capaz de reativar o sistema de controle de qualidade nas células cardíacas. As proteínas oxidadas voltaram a ser eliminadas pelo proteassomo e o processo degenerativo foi interrompido.
Antes de testar o candidato a fármaco em seres humanos, os pesquisadores pretendem realizar outra rodada de ensaios pré-clínicos com animais de maior porte, possivelmente porcos.
"A molécula já foi bem-sucedida nos testes de toxicidade realizados em animais. Se tudo correr bem, dentro de aproximadamente sete anos saberemos com certeza se ela poderá se tornar um medicamento", afirmou Júlio Cesar.
Fonte: www.diariodasaude.com.br