Publicado por Redação em Previdência Corporate - 04/11/2016

Desaposentação: Só prejuízo do governo foi considerado, diz advogado

Aroldo Pacheco, membro do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário

"Não só de aspectos estritamente legais se reveste uma decisão judicial", afirma Pacheco. (Foto: Divulgação)

A desaposentação, que é a possibilidade de o aposentado pedir a revisão do benefício por ter voltado a trabalhar e a contribuir para a Previdência Social, foi considerada ilegal pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nessa quarta-feira (26). Para o advogado especialista em direito previdenciário Aroldo Pacheco, membro do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, a Corte acertou sob o ponto de vista estritamente legal. Entretanto, para ele, as decisões devem ser relativizadas. “Não foram levados em consideração o prejuízo que inúmeros trabalhadores tiveram e ainda têm, mas apenas o ônus para o governo”, afirmou o advogado. Pacheco, que é sócio do escritório Reis & Pacheco, também falou por e-mail ao Blog de Jamildo sobre o que muda a partir de agora e quais são as soluções possíveis para os usuários do sistema.

Blog de Jamildo – O que muda em relação aos processos para desaposentação com a decisão do STF?

Aroldo Pacheco – O julgamento ocorrido ontem, quarta-feira, por 7 votos a 4, teve reconhecida a existência de repercussão geral na questão constitucional debatida, a validade das contribuições feitas após a aposentadoria como fundamento para um novo benefício mais vantajoso. A repercussão geral tem o chamado efeito multiplicador. O Supremo decidiu uma única vez e a decisão se aplicará a todos os processos que discutem a mesma matéria. Existem aproximadamente 182 mil processos na justiça que estavam aguardando a decisão do Supremo.

Como a desaposentação não foi admitida pelo STF, todos os juízes e tribunais terão que se adequar à decisão da Suprema Corte. Para aqueles que já estavam gozando do aumento na aposentadoria, por determinação judicial, o STF autorizou, ainda, ao INSS cobrar os referidos valores. A respeito do tema, a Advogada Geral da União, Grace Mendonça, após o julgamento de ontem, já declarou que o governo estuda ajuizamento de ações de ressarcimento contra aqueles que conseguiram esse incremento na aposentadoria.

Blog de Jamildo – Na prática, como essas pessoas que voltam a trabalhar podem rever a aposentadoria? A aposentadoria privada é uma solução?

Aroldo Pacheco – Até 1994 existia o chamado Pecúlio. Por meio dele, o INSS devolvia os recolhimentos feitos após a aposentadoria quando encerrado o vínculo empregatício. O Pecúlio foi extinto e não se criou qualquer contrapartida justa para retribuir as contribuições feitas ao INSS após a aposentadoria.

A volta do pecúlio é tratada pelo governo como uma alternativa à desaposentação. Tramita no Senado o Projeto de Lei n.172, de 2014, que visa legalizar a desaposentação. Ou seja, incorporá-la dentro do nosso ordenamento jurídico como lei. Diferentemente do quadro que tínhamos até ontem, onde por meio de princípios, doutrinas e interpretações, tentou-se, via judicial, suprir a ausência dessa norma, o que não seria ilegal.

A aposentadoria privada não seria uma solução, seria um paliativo, já que a previdência privada nada mais é que uma aplicação financeira. Ou seja, seu rendimento obedece a regras e índices do mercado financeiro. Não existe um respeito a um valor mínimo para o recebimento de algum benefício na Previdência Privada, diferentemente da Previdência Social, que o salário mínimo deve ser respeitado.

Como a maioria dos trabalhadores estão vinculados ao Regime Geral de Previdência (INSS), as opções de Previdência Privada no mercado, oferecidos pelos bancos e seguradoras, só recebem a contraprestação financeira do próprio segurado, o que limita a constituição de um montante considerável ao final do plano. A previdência privada que traria alguma vantagem ao seu contribuinte seria aquela que recebe contraprestação financeira também do empregador, como ocorre nas grandes empresas e corporações.

Para o cidadão assalariado, profissional liberal ou autônomo que não se encaixem nessa última condição, a busca por investimentos alternativos como tesouro direto, imóveis, bolsa de valores e aluguéis seria a grande solução. Todo esse contexto revela uma tendência que o nosso país está a perseguir: aumentar a população economicamente ativa para gerar maior arrecadação e inibir a aposentadoria precoce, pois nenhum país do mundo consegue manter uma grande população aposentada no mesmo padrão, pagando aposentadorias equivalentes aos rendimentos que recebiam quando da ativa.

Blog de Jamildo – Como o senhor analisa a decisão do STF considerando a desaposentação ilegal?

Aroldo Pacheco – Do ponto de vista estritamente legal, o STF acertou. A Constituição Federal prevê a edição de lei ordinária para tratar tema e, no entender da maioria dos ministros, se não existe essa lei, a desaposentação seria inconstitucional. Todavia, não só de aspectos estritamente legais se reveste uma decisão judicial. O próprio STF relativiza esse preceito em grande parte de suas decisões, a mais recente acerca da possibilidade da execução provisória da pena privativa de liberdade, antes do trânsito em julgado processo. E nesse caso, a questão legal foi apenas uma salvaguarda para esconder o real fundamento para a negativa, que é o impacto financeiro nas contas do governo, mormente em momento de grave crise econômica.

Talvez o momento não foi o mais adequado para ser posto em pauta o julgamento dessa matéria que, em paralelo, convive com assuntos sobre a Reforma da Previdência, que visa ainda mais restringir direitos, com fundamento exatamente no suposto rombo da Previdência.

Então, digamos que o STF agiu com a prudência inerente ao momento econômico do país, deixando para o legislativo a conveniência na aprovação da desaposentação, onde também já estão sendo tratados outros temas que endividariam ainda mais o governo, tal como o reajuste do Judiciário e seu efeito cascata.

Por um lado, essa decisão vai provocar um maior embate no Congresso acerca dos termos da Reforma da Previdência que ainda será apresentado pelo governo, o que ensejará uma maior resistência para a sua aprovação, e a imposição por parte das centrais sindicais da inclusão da desaposentação nesse pacote de propostas. Afora todo esse contexto econômico e político, a decisão do STF deixou a desejar, desprestigiando princípios constitucionais fundamentais do indivíduo.

Não foi levado em consideração o prejuízo que inúmeros trabalhadores tiveram e ainda têm, mas apenas o ônus para o governo.

Blog de Jamildo – Qual seria o impacto para a Previdência Social com a desaposentação?

Aroldo Pacheco – Segundo levantamento realizado pela Advocacia Geral da União (AGU), caso fosse aprovada, a desaposentação oneraria a Previdência Social em R$7,65 bi por ano, já a partir deste ano. O número apresentado pela AGU não é condizente com a realidade. Ele leva em consideração a hipótese de todos os aposentados que continuaram trabalhando após a inativação terem o direito à desaposentação, o que nem sempre acontece. Porém, ainda que se admita como verdadeiro o impacto nas contas públicas apresentado pela AGU, o número representaria menos de 2,00% do que a INSS gasta anualmente com o pagamento de aposentadorias. Em resumo, o INSS não quebraria caso o Supremo tivesse admitido a desaposentação.

Fonte: Blog de Jamildo


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