Publicado por Redação em Mercado - 21/05/2021
Conexão entre escolaridade e trabalho precisa ser feita, diz diretora da Microsoft
A transição entre o fim da faculdade e o início no mercado de trabalho tem sido uma preocupação para os jovens. Desde cedo, eles começam a pensar em como ser efetivado no estágio e criam expectativas sobre o que o diploma universitário vai garantir no futuro. Quando chega a hora, muitos 'nãos' refletem, em parte, o desalinhamento entre o que as empresas buscam e o que as instituições de ensino têm oferecido aos estudantes. No setor de tecnologia, por exemplo, sobram vagas, mas não para recém-formados.
De acordo com um estudo sobre a inserção de dispositivos digitais para engajar estudantes do Ensino Superior, 46% dos alunos disseram estar extremamente preocupados sobre conseguir um trabalho após a graduação. Mais da metade afirmou que perdeu a confiança no valor da educação universitária. Outra pesquisa, feita com 2,2 mil jovens, mostrou que 50% deles se questionavam sobre o valor de uma experiência de quatro anos de faculdade e estavam abertos a novos caminhos.
"É o conceito de ser protagonista do seu futuro, porque não adianta sair com diploma e achar que vai ter a vida resolvida. Se isso em alguma medida pode ter sido verdade no passado, hoje não é mais", afirma Vera Cabral, diretora de Educação da Microsoft Brasil. Para ela, é necessário aliar as tecnologias disponíveis aos processos de ensino e aprendizagem a fim de que os conteúdos ajudem o recém-formado a iniciar sua carreira profissional. "Não estamos reduzindo a educação à inserção no mercado de trabalho, mas aproximando."
Para facilitar essa aproximação, a Microsoft lançou oficialmente a versão em português do Career Coach, ferramenta de orientação profissional personalizada destinada a estudantes do Ensino Superior. O anúncio foi feito durante a 2ª Jornada Bett Online, evento de educação e tecnologia que ocorreu até a última sexta-feira, 14. As instituições de ensino poderão adquirir o produto, que funciona no Microsoft Teams, e ofertar aos alunos. O recurso fornece um guia para ajudar esses jovens na jornada pelo mercado de trabalho e fica disponível no mesmo espaço onde eles gerenciam suas atividades escolares.
Entre os atributos da ferramenta estão o auxílio para identificar quais são os objetivos de carreira de acordo com paixões, interesses e pontos fortes, a ajuda para encontrar oportunidades de desenvolvimento de habilidades exigidas pelo mercado atualmente e a conexão dos estudantes a seus pares e professores que possam apoiá-los na carreira.
Em entrevista ao Estadão, Vera falou sobre os desafios da transição entre faculdade e mercado de trabalho, as tendências em educação e o equilíbrio entre as expectativas dos recrutadores e o perfil do profissional recém-formado.
Quais são as novas percepções na relação entre o estudante de hoje e o profissional do futuro?
A gente teve uma grande transformação ao longo desse um ano e meio de pandemia. Do ponto de vista da educação, nós estamos vencendo essa transformação, porque, de certa forma, a educação é o último setor onde a tecnologia entrou. A gente tinha um ambiente de resistência, por um certo conservadorismo, questão de hábito e entendimento do que é ensinar e aprender. No Brasil, a gente já vinha nesse processo quando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) mudou a perspectiva de conteúdos para competências e habilidades, que se torna mais importante quando estamos vivendo essa transição aqui.
O que tenho percebido, em contato direto com instituições de educação básica ou superior, é que de fato as instituições acordaram para essa necessidade que o mundo nos coloca, de trazer a tecnologia para os processos de ensino e aprendizagem. É o legado que vai ter e isso tem consequência também para o futuro dos jovens, pois é uma demanda do mundo como um todo, do trabalho e social. A educação do século 21 é mais focada em competências, em aprender a aprender, porque como os ciclos estão mais encurtados, tem mudanças muito rápidas e a pessoa claramente tem de mudar seu jeito de trabalhar, tem de se adaptar ao longo da vida.
Hoje, a gente sabe qual é o fundamento de um advogado, médico, jornalista, por exemplo, mas a forma como ele vai trabalhar é diferente e muito provavelmente vai aprender muita coisa ao longo da vida. Essa conexão entre o mundo da escolaridade e do trabalho precisa ser feita. Lá atrás, tinha um isolamento do ensino superior em relação ao que o mundo do trabalho demandava, mas essa defasagem mais aguda é prejudicial hoje. Não estamos reduzindo a educação à inserção no mercado de trabalho, mas aproximando.
Em que nível está esse alinhamento das instituições de Ensino Superior com o que o mercado de trabalho tem exigido de um jovem profissional?
A gente tem várias tendências quando se fala de Ensino Superior ao redor do mundo. O que estamos vendo aqui não é novidade, mas há tendências que mostram que o Ensino Superior tem de se reinventar. Não estou falando que tem de estar submetido ao que o mercado de trabalho define, mas são as duas coisas. O que temos visto é que essa reestruturação, esse novo modelo de Ensino Superior passa por desenhos e percursos mais flexíveis. A gente já tem no Brasil um percurso em que se faz ‘n’ créditos e vai tendo certificações.
Hoje, para ter uma certificação de Ensino Superior são quatro anos, mas a tendência é de certificações parciais ao longo desse processo que te permite trabalhar, entrar no mundo do trabalho e criar possibilidades. Eu não vejo que um curso superior vá desaparecer, mas ele ganha uma característica mais longeva, de fôlego, reflexão e, ao longo do processo, tendo certificações.
Na Microsoft, tem curso em tecnologia e a gente tem trabalhado com instituições fornecendo esses cursos de formação, o que oferece uma carga curricular adicional, em que os jovens podem ter reconhecimento da própria instituição e eventualmente da Microsoft. É evidente que a transformação já vem ocorrendo, mas não é um vínculo direto.
Em alguns setores, como o da tecnologia, sobram vagas de emprego, mas não para o recém-formado. Como equilibrar as altas expectativas do mercado com a abundância de jovens talentos disponíveis?
Na área de tecnologia, há escassez de profissionais e isso abre um ponto importante na discussão que é a necessidade de atrair o jovem desde pequeno para as carreiras de tecnologia e ciência. Isso abre conversa para o Career Coach, desenvolvido pelo LinkedIn, de ser orientador, de a pessoa buscar informações sobre o que é demandado no mercado de trabalho e o que cada um tem como competência.
Há pesquisas que indicam quais são os caminhos, então se você quer ser desenvolvedor, diz o que está demandando do profissional que queira seguir essa carreira. O Career Coach se acopla ao Teams e é uma ferramenta poderosa também para as instituições de educação em termos de ver as habilidades que vêm sendo demandadas.
Você falou que há escassez de profissionais de tecnologia, mas vemos jovens recém-formados querendo uma vaga e, do outro lado, um mercado de trabalho que parece exigir muito mais.
Nas carreiras de tecnologia, tem densidade de recém-formado, mas não tem recém-formado suficiente. O mercado tem de pensar a médio prazo e a pessoa tem de pensar em utilizar essas ferramentas para atualizar competências que vem sendo demandas. Tem várias posições que demandam certificações que a Microsoft oferece, super valorizadas. Muitas coisas tem de ir atrás, é assim em qualquer profissão, estar atualizado é necessário. E o Career Coach é bem-vindo não só para a formação de quem está no ensino técnico, médio ou superior, mas quem está no mercado de trabalho pode identificar quais competências são necessárias para o próximo passo. Deve-se ficar de olho em competências e habilidades para quando se planeja a carreira. O mercado de trabalho também é seletivo no Brasil, a educação é falha, tem um gap importante que precisa ser preenchido.
O Career Coach em português vem para ampliar o alcance dessa ferramenta de orientação profissional. Quais são as expectativas para o Brasil?
Ela é muito nova em português. Aqui no Brasil, está sendo lançada neste mês e a gente tem diversas instituições com bastante interesse, particularmente aquelas com que já vem trabalhando dentro dos cursos de formação em tecnologia. A maior parte demonstrou interesse em conhecer e experimentar.
Qual a importância de começar essa jornada de pensar a carreira ainda na universidade ou no Ensino Médio?
No Ensino Médio, a gente trabalha muito o conceito de projeto de vida. Nessa faixa etária, dificilmente o jovem tem clareza sobre a profissão que quer ter, então essa é uma primeira abordagem sobre o que esse jovem pretende para a vida dele, para ele começar a ter contato com o mundo de profissões, o que é sair desse mundo de ser estudante e ter aspirações para o que vai fazer. Acho que nas escolas que já vêm trabalhando de forma atualizada com esse conceito, esse jovem está se enxergando no mundo.
A partir daí, é ir afunilando, estar ligado naquelas coisas que são do interesse. Acho que se a gente procura aquilo que é do nosso interesse, é mais fácil aprender, se inserir, ter sucesso. Acredito muito no projeto de vida desde cedo para começar a despertar aquilo para o jovem, para ele sair da passividade. Acho que é o conceito de ser protagonista do seu futuro, porque não adianta sair com diploma e achar que vai ter a vida resolvida. Se isso em alguma medida pode ter sido verdade no passado, hoje não é mais.
Fonte: ESTADÃO