Publicado por Redação em Gestão de Saúde - 03/07/2020
Como a Ambev cuida da saúde mental dos funcionários na quarentena
São Paulo – Sem ter de antemão uma política de trabalho remoto estruturada, a liderança da Ambev decidiu, quando declarada a pandemia de coronavírus, criar um programa que mostrasse a importância de manter uma rotina para seus 3 mil funcionários colocados compulsoriamente em home office.
“Antes da pandemia, trabalhávamos de acordo com a flexibilidade da atividade dando autonomia para as pessoas”, diz Mariana Holanda, responsável por saúde mental, Bem estar, Diversidade e Inclusão na Cervejaria Ambev..
Com um compromisso assumido em março perante o Ministério Público do Trabalho de não mais tolerar mensagens de trabalho em aplicativos como o WhatsApp fora do expediente, era preciso ordenar o expediente e evitar o caos na vida dos seus funcionários administrativos e corporativos.
“Nossa diretriz foi a de deixar claro como a empresa manteria os horários de forma flexível, com a pontuação de que as reuniões fossem sempre concentradas das 10h às 12h ou das 14h às 17h. Para que as pessoas pudessem se organizar melhor”, diz a executiva.
Um dos principais problemas relatados por profissionais durante o home office tem sido justamente o excesso de reuniões causador da exaustão chamada de Zoom Fatigue e o descontrole em relação à jornada de trabalho.
O impacto psicológico do cenário de pandemia – confinamento em família ou sozinho – aliado às demandas de trabalho e somado ao medo de perder o emprego têm aumentado casos de ataques de ansiedade, depressão e síndrome de burnout.
O psicanalista Francisco Nogueira, membro do Instituto Sedes Sapientiae e fundador da consultoria de desenvolvimento humano Relações Simplificadas, tem monitorado centenas de profissionais e diz que os efeitos na saúde mental serão de longo prazo e exigindo um olhar atento das empresas agora e no pós pandemia
Falta de ferramentas de trabalho, condições ergonômicas inadequadas, improvisos e os desafios do confinamento são queixas, 80% do sofrimento no home office está em conciliar as atividades domésticas com os horários de trabalho. “Do dia para noite as pessoas foram postas em home office sem treinamento algum”, diz Francisco.
A sensação que se alastra é a de impotência. “Foi predominante no primeiro mês. A pessoa se sente impotente por não conseguir ser produtiva, por não dar conta das tarefas domésticas, não passar tempo com o filho, vem a sensação de culpa. Isso gera um estresse que é uma bomba relógio”, diz Francisco, que organizou um serviço de escuta virtual gratuita com sessões de acolhimento de 30 minutos.
A iniciativa conta com trabalho de 50 psicólogos e psicanalistas. Já foram feitas mais de 2 mil sessões. A consulta é marcada numa página criada para isso e que será desativada depois da pandemia. Nela, é possível escolher o profissional, a hora do atendimento e aguardar o contato. Sem custo.
Como monitorar a saúde mental no trabalho?
A maneira encontrada pela Ambev de perceber quais as principais questões que afligem seus funcionários foi criar ferramentas de comunicação que dessem espaço para compartilhamento de angústias.
Existem incentivos para troca de ideias e sensações nas redes sociais internas. Ao usarem algumas hashtags nas mensagens os profissionais municiavam a empresa com informações sobre temas mais importantes.
“Os primeiros temas que tratamos eram ligados à expectativa versus realidade do home office. Fizemos encontros virtuais e num deles tínhamos um líder com o filho no colo. Conversamos muito sobre humanizar e entender que cada um tem seus desafios”, diz Mariana.
Além do programa de instrução sobre como trabalhar em home office, a Ambev oferece lives com personal trainer, boletins informativos sobre a pandemia, plataformas de cursos online, yoga, meditação. A empresa também oferece um serviço de suporte psicológico para os profissionais. “Temos o canal Gente 360 que é plataforma estruturada com várias frentes de suporte, jurídico, financeiro e um dos serviços é de apoio psicológico para cem por cento dos funcionários”, diz Mariana.
Parte dessa iniciativa é também ligada à prevenção. “A gente promove uma pesquisa duas vezes por semana, para monitorar a saúde física e saúde mental que traz a dores e pontos de incômodo dos funcionários”, diz a executiva.
Após 100 dias home office Mariana diz que os funcionários agora começam a se preocupar com o retorno ao escritório. “Vamos viver uma fase 4, começar a lidar com estresse pós-traumático, temos funcionários que perderam parentes por Covid-19”, diz.
Por isso a empresa além de elaborar um plano estratégico para o retorno também tem estratégias para acompanhar a saúde mental dos funcionários na pós pandemia. “Os líderes estão muito próximos de suas equipes nesse momento”, diz Mariana.
Os resultados das medidas são comemorados pela executiva. “Conseguimos alcançar resultados de forma expressiva em áreas de e-commerce, tecnologia”, diz.
Impacto psicológico da pandemia pode durar três anos
Medidas imediatas e um plano de ação de longo prazo deveriam estar na pauta das reuniões de liderança. “Uma situação de trauma pode ter efeito rebote depois de algum tempo. Existe um funcionamento da nossa mente não é percebido de imediato porque temos uma série de mecanismos de defesa para lidar com situação de estresse”, diz Francisco.
O especialista afirma que as consequências serão duradouras. “Pesquisas indicam que poderemos ter casos de depressão, estresse pós-traumático por três anos”. Diante do fato de que antes mesmo da pandemia, a perda da produtividade nesta década ligada à explosão de casos de depressão no mundo já era apontada por organizações como a OMS (Organização Mundial da Saúde) e o Fórum Econômico Mundial, a atenção à saúde mental é cada vez mais importante. “Vivemos num sistema que causa muito sofrimento psíquico, a pandemia disparou uma série de questões que já estavam aí”.
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Fonte: Você S/A