Publicado por Redação em Saúde Empresarial - 17/08/2011

Bolha da Saúde

Ao fazer uma rápida reflexão sobre o segmento privado da saúde podemos avaliar que este setor atua conforme uma dinâmica própria e, por que não dizer, na contramão do que podíamos imaginar serem as melhores práticas quanto às políticas de formação profissional, bem como da sua governança e gestão.
 
Os cursos de formação na área assistencial se multiplicam, despejando no mercado profissionais com lacunas em aspectos comportamentais, éticos e técnicos. De um modo geral, a porta de entrada desses estudantes e dos pacientes é a mesma: a emergência. Sim, porque apesar de contarmos com profissionais renomados e especialistas em serviços de pronto atendimento, esta área está repleta de neófitos que, por vezes, são os únicos do front que se submetem à sua carga-horária e remuneração.
 
Há ainda questões relacionadas às terceirizações de serviços assistenciais. Gostaria de deixar claro que sou totalmente favorável às terceirizações. Do serviço, não do modelo! Explico: me deparo com áreas de extrema importância, como a própria emergência, UTI e até mesmo centros cirúrgicos, onde a equipe que terceiriza, decide o que, como, quando e com quem fazer. Nestes casos, em sua larga maioria, aplica-se Pareto, onde muitos ganham pouco e poucos ganham muito.
 
Se partirmos para o modelo de negócio hospitalar, em sua maioria, diárias e taxas não rentabilizam e perpetuam o negócio. A circulação e revenda de medicamentos e materiais hospitalares impulsionam esta atividade econômica. Sabe-se, também, que há uma crescente parcela de profissionais que são remunerados, na informalidade, por fornecedores, caracterizando assim, a supremacia do retorno financeiro frente à melhor técnica ou procedimento a ser adotado no paciente.
 
A internet avança como fonte de pesquisa e, embora os pacientes a utilizem para entender suas patologias, pouco a pouco, a classe médica perde seu prestígio e credibilidade conquistados com a proximidade do antigo médico da família e os pacientes perderam a referência daquele que, até outrora, era inquestionável.
 
No capítulo da Governança e Gestão encontramos, cada vez mais, administradores advindos de outras indústrias. Muitos deles com DNA financeiro, que hoje perseguem desenfreadamente o aumento do EBITDA em detrimento de aspectos inerentes a esta atividade, como humanização para com seus pacientes e acompanhantes, qualidade assistencial, aversão aos riscos e vanguarda da técnica médica.
 
A inflação da saúde é maior quando comparada aos índices gerais de preços ao consumidor, notadamente, em função das novas tecnologias, do contínuo crescimento ao acesso à saúde e a algumas práticas condenáveis aqui já relatadas, entre outros fatores, já que esse é um fenômeno mundial. Mas como combustível para esta fogueira, encontramos investimentos distorcidos na corrida em busca da alta complexidade. Haverá falta de leitos num futuro próximo? Essa possível falta de leitos incorrerá em aumento de custos?
 
Sim, precisamos de acesso à alta tecnologia e ao estado da arte das últimas possibilidades e recursos para salvarmos e tratarmos vidas, mas precisamos também de mais investimentos em promoção à saúde e prevenção de doenças. Necessitamos ainda de protocolos que colaborem com diagnóstico precoce e programas de atenção básica da saúde, a fim de evitarmos o avanço e cronificação das patologias.
 
As operadoras precisam ocupar esse espaço, no sentido de buscar uma maior influência por meio da gestão de suas carteiras, como algumas fazem com excelência. Embora outras acreditem que seja melhor deixar a bomba explodir na carteira da sua concorrente, já que a maior parte dos segurados vem de pessoa jurídica e há uma evidente circulação das vidas pela movimentação empregatícia.
 
Não podemos deixar de apontar a nossa responsabilidade como seres humanos, detentores personalíssimos do nosso comportamento diante dos riscos que tomamos ou evitamos diariamente em relação à nossa saúde e da nossa comunidade.
 
As indústrias farmacêuticas, por sua vez, sofrem grande pressão com as quebras de encerramento de patentes, entrada de genéricos e similares, escorchante carga tributária e pífios investimentos locais em pesquisa e desenvolvimento, nos posicionando como importadores, gerando saldo negativo nesta balança comercial. Nova legislação de substituição tributária acarretará em aumento no preço dos genéricos a partir de outubro deste ano.
 
Não bastasse tudo isso, a judicialização da saúde, se por um lado corrige algumas injustiças e atende a algumas reivindicações legitimas, por outro funciona como Robin Hood tentando atender aos fracos, mas incorrendo em quebra contratual, trazendo custos não pactuados nem provisionados na tábua atuarial das carteiras. Para piorar, temos o Estatuto do Idoso que limita reajustes acima dos 60 anos, justo onde explodem os custos assistenciais durante a vida.
 
Quem paga essa conta?
 
Não posso concluir sem registrar que as práticas aqui citadas, embora me lembrem a metástase em um organismo, temos um sem número de profissionais e empresas que nos orgulham e honram àqueles que acreditam que a saúde não precisa ir ao fundo do poço e explodir a bolha, para se reerguer. Me alinho a esses profissionais e empresas e acredito em dias melhores.
 
Enrico De Vettori
 
Sócio da Deloitte Consultores e Líder da área de Life Sciences & Healthcare
 
Fonte: www.saudeweb.com.br | 17.08.11

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