Publicado por Redação em Dental - 03/12/2014

Amálgama dental: seu uso e possíveis efeitos tóxicos

Grupos norte-americanos contrários ao amálgama odontológico entraram com ação contra a Food and Drug Administration (FDA), acusando a agência estatal de não conseguir lidar corretamente com o risco de mercúrio em obturações dentárias. Os autores estão exigindo a proibição formal do uso de amálgama dental ou uma reclassificação do risco de seu uso pela FDA.

Para o médico, doutor em Saúde Coletiva, Eduardo Almeida, que tem grande experiência clínica em intoxicação crônica por mercúrio produzida pelo amálgama, trata-se de uma grande iniciativa dos grupos norte-americanos, “pois não existe mais argumento científico hoje para se afirmar que o amálgama é seguro diante da quantidade de evidências disponíveis provando o contrário”, salienta.

Amálgama é uma liga de metais com 50% de mercúrio, que é um metal pesado extremamente tóxico para o organismo. “Compromete os vários sistemas vitais, além de ser potente neurotoxina. Isso qualquer médico ou Cirurgião-Dentista sabe. O problema é que uma parcela de Cirurgiões-Dentistas e suas associações, sobretudo, a Associação Americana (ADA) dizem que essa liga é estável e não libera mercúrio. Isso é simplesmente uma crença, pois além de não ser possível medir vapor de mercúrio na boca das pessoas com amálgama, vários estudos que usaram o metal marcado radioativamente revelaram a contaminação quase imediata de vários órgãos, após a feitura da obturação com amálgama em ovelhas, por exemplo”, conta Eduardo.

Ainda segundo o médico, o pensamento oficial na Odontologia e na medicina trabalha com a toxicologia quantitativa. “Mas, atualmente, está evidenciado que isso é um equívoco. Não existe quantidade segura de metal pesado. Para se ter uma ideia, se acumular cerca de 20 mcg de mercúrio na hipófise, essa glândula entra em grande dificuldade funcional. Pois bem, a hipófise está a 2 cm da abóboda bucal e é muito vulnerável à exposição por mercúrio da cavidade oral. Temos obturações de amálgama com cerca de 5 g, o que significa quase 2,5 g de mercúrio, ou seja, uma carga mais de 100 mil vezes superior aos 20 mcg. Além disso, está mais do que comprovado a potencialização da toxicidade quando entra outro metal tóxico ou outra xenotoxina no organismo. Quando se associa ao mercúrio outro metal pesado, como chumbo, por exemplo, a toxicidade incrementa em mais de 100 vezes; se entrar uma terceira substância, a toxicidade vai progredindo de forma não linear, exponencialmente”, esclarece Eduardo.

Outra questão que deve ser considerada, conforme o médico, é a diferença da capacidade excretória de mercúrio entre os indivíduos. “Há pessoas com alta atividade excretória e outras com capacidade muito baixa. Essas últimas são as grandes vulneráveis. A principal via excretória do mercúrio é a via sulfúrica hepática através do glutation. Se o organismo, mesmo que seja alto excretor, pode entrar em dificuldade se tiver déficit por alto consumo de sulfur e glutation. Estarmos ainda discutindo se mercúrio é tóxico ou não em pleno século XXI é revelador do quanto à medicina e a Odontologia estão afastadas da toxicologia biológica moderna, ou de uma medicina biológica e ecológica. É preciso aceitar o erro do uso do amálgama e evoluir na direção de uma Odontologia e medicina menos tóxica”.

Risco do uso do amálgama na Odontologia é controverso

De acordo com o mestre e doutor em Dentística Restauradora pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fousp), pós-doutor pela Faculdade de Odontologia da Catholic University of Leuven, Bélgica, atualmente exercendo a função de Gerente de Produtos da GC Europa, Marcio Vivan Cardoso, a Academia Internacional de Medicina Oral e Toxicologia (AIMOT) lançou recentemente uma ação judicial contra a FDA por não atuar de forma efetiva num plano de ação que protegesse a população e o meio ambiente dos riscos relacionados ao uso do mercúrio em restaurações de amálgama. “Realmente, muitas pesquisas alertam sobre os riscos relacionados ao uso do amálgama, especialmente em mulheres grávidas, crianças e pessoas com predisposições genéticas a reações adversas relacionadas ao uso do mercúrio. Além disso, profissionais da Odontologia também representam um grupo de alta susceptibilidade aos riscos relacionados ao mercúrio, já que estão diariamente expostos a esse elemento químico. A ADA também tem apoiado ações que limitem o uso do amálgama e pesquisas que clarifiquem os riscos reais relacionados ao uso do amálgama na Odontologia. Apesar de 150 anos de bom comportamento clínico, o uso do amálgama como material restaurador permanece sendo um assunto controverso. Apesar de suas excelentes propriedades mecânicas frente aos desafios da carga mastigatória, o amálgama está relacionado a uma filosofia invasiva ditada pela necessidade de remoção de tecido dental sadio para a promoção de uma retenção adequada. Contudo, o amálgama ainda encontra-se presente em muitos países como uma opção à técnica restauradora, principalmente por motivos socioeconômicos, como no caso do Brasil, por exemplo”.

Para a mestre, doutora e pós-doutora em Dentística pela Fousp, Alessandra Pereira de Andrade, provavelmente, o uso do mercúrio terá seus dias contados até 2020. Em 2013, a convenção do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) realizado em Genebra e a Convenção de Minamata determinam a redução progressiva, controle, restrição e banimento, em alguns casos, do uso de mercúrio, por todos os países do mundo por meio de estratégias que reduzam a quantidade de mercúrio usada principalmente em atividades de minerações e industriais como usinas térmicas de carvão, caldeiras, incineradores de resíduos e fábricas de cimento. “As quantidades de mercúrio utilizadas em tais atividades são infinitamente maiores que as quantidades manipuladas no ambiente de consultório odontológico, quando do uso do amálgama dental”, ressalta.

Alessandra esclarece que, muitos países já proibiram a utilização do amálgama como material restaurador. “Porém, é importante salientar que muitos acreditam que a maior preocupação em relação ao uso do amálgama seja em relação ao mercúrio do amálgama que é removido da cavidade bucal dos pacientes e não aquele presente na cavidade bucal como restaurações. Os resíduos ao serem sugados pelo equipamento odontológico, assim como o restante do amálgama não utilizado para a realização da restauração, ao serem descartados incorretamente para o esgoto podem contaminar os sistemas hídricos e tornarem-se biodisponíveis para os peixes, por exemplo, com efeitos diretos no equilíbrio da vida de mananciais e indiretos pelo consumo humano de alimentos contaminados. A ingestão de alimentos contaminados assim como a inalação de vapores por trabalhadores da indústria e mineração pode acarretar patologias do sistema nervoso e de outros órgãos do corpo humano. A maior parte dos relatos clínicos em relação à intoxicação por mercúrio está relacionado a pacientes expostos durante sua atividade profissional (mineração e indústria) e não a pacientes que realizaram restauração odontológicas com amálgama de prata”, elucida.

Na opinião do mestre e doutor em Dentística, professor do curso de especialização em Dentística da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) e da Universidade de Santa Cruz do Sul, Alcebíades Nunes Barbosa, que atua em temas sobre amálgama, mercúrio e brunidura, ao invés de exigir a proibição do uso do amálgama, mais esforços deveriam ser empreendidos visando avaliar os motivos pelos quais ainda se busca no amálgama (ou em outro material restaurador) a solução para a destruição dental provocada pela cárie. “Se cada vez mais, a população for atingida por medidas de prevenção, reduzindo ou eliminando a presença da cárie, certamente o amálgama deixará de ser perigoso porque gradativamente o seu uso será reduzido somado ao fato de existirem materiais que o substituem e sem o risco da presença do mercúrio.”

Alcebíades explica que, em algumas situações clínicas, o amálgama pode ser considerado o material restaurador de primeira escolha. “Como no caso de impossibilidade de colocação de isolamento absoluto, uma vez que, ao contrário da resina composta, o controle da umidade não é crítico; evidentemente, que embora lançando mão do isolamento relativo, durante a inserção do amálgama não se deve negligenciar o controle da umidade, pois caso contrário suas propriedades serão bastante afetadas. Assim, em determinadas situações clínicas sou favorável ao uso do amálgama desde que respeitada sua indicação e características de manipulação. Quanto ao fato de considerá-lo um material perigoso, se o profissional efetuar um controle rigoroso em relação a todas às etapas que envolvem o seu uso, o amálgama não exerce perigo quando em uso na boca. Por outro lado entendo que, como o seu emprego vem sendo reduzido drasticamente em razão da redução do índice de cárie e sua substituição pela resina composta e materiais cerâmicos, há também uma diminuição do perigo de contaminação do meio ambiente pelo mercúrio como vem sendo cogitado nos últimos anos.” O professor da Ulbra avalia que, como todo material restaurador, o amálgama, se utilizado respeitando as normas técnicas de manipulação e biossegurança, é um excelente material para restaurações em dentes posteriores. “Suas propriedades mecânicas são ótimas e, diferentemente dos demais materiais restauradores, tem a capacidade de, com o decorrer do tempo, melhorar o vedamento da interface dente-restauração, fator que influi significativamente na longevidade das restaurações. No Brasil, gradativamente ele vem sendo substituído pela resina composta em razão de diversos fatores, entre os quais o fato da resina possuir a capacidade de restabelecer a resistência da estrutura dental remanescente, o que não se aplica para o amálgama; outro fator relevante que contribui significativamente para a redução do seu uso é o apelo estético da população que, seguindo o padrão de beleza atual, exige restaurações com a ‘mesma cor dos dentes’.”

Alessandra concorda que, apesar de o amálgama ter um excelente desempenho clínico observado por muitos estudos longitudinais, sua utilização como material restaurador tem diminuído drasticamente. “Não só devido ao fator estético, mas porque para a utilização do amálgama dental como material restaurador é necessário a realização de preparos cavitários geométricos, retentivos e mais amplos, posto que o material permanecerá na cavidade por retenção mecânica. Com o desenvolvimento das resinas compostas e a mudança de paradigmas pelos conceitos da filosofia de mínima intervenção, que estão baseados em ampla evidência científica e tem como foco a causa da doença e tratamentos conservadores, é possível a realização de cavidades mais conservadoras e a manutenção de maior quantidade de tecido dental sadio”.

Países buscam substituir o amálgama odontológico

Segundo o pós-doutor pela Faculdade de Odontologia da Catholic University of Leuven, Bélgica, Márcio Vivan, os Estados Unidos ainda representam os maiores usuários de amálgama para restaurações, principalmente em populações de baixa renda. “O uso do mercúrio na União Europeia representava 440 toneladas em 2005. Apesar de tal demanda ter diminuído drasticamente, o uso do mercúrio na forma de amálgama dental em breve tornar-se-á a maior demanda de mercúrio na indústria europeia, representando 90 toneladas por ano. Considerando-se tal demanda, o Parlamento Europeu estabeleceu em 2007 uma Comissão cuja proposta foi de restringir o uso do amálgama dental com base em evidências científicas, análise de risco-benefício à população e ao ambiente. Esta comissão, chamada Comitê Científico para Riscos à Saúde e ao Meio-ambiente (SCHER), publicou em 2011 um relatório intitulado ‘Revisão da Estratégia Pública em Relação ao Mercúrio’ que versa sobre a importância da diminuição do fornecimento e da demanda de mercúrio, a fim de minimizar riscos ambientais e à saúde da população. Esse documento reforça a posição estratégica da Europa na intensificação de esforços quanto a políticas globais de eliminação do uso do mercúrio onde alternativas viáveis estejam presentes, especialmente quanto ao uso do amálgama dental. Nesse sentido, a comissão Científica mencionada (SCHER) tem como objetivo buscar evidências quanto a possíveis substitutos viáveis ao amálgama tendo em vista também fatores socioeconômicos relacionados ao tratamento odontológico. Todos esses esforços parecem prever o fim do uso do amálgama dental apesar de aparentemente tratar-se de um projeto de longo prazo”.

Vivan complementa: “como Cirurgião-Dentista brasileiro trabalhando atualmente na indústria odontológica internacional, tenho acompanhado os esforços de setores públicos e privados na tentativa de desenvolver materiais odontológicos que possam substituir o amálgama. As resinas compostas modernas, por exemplo, já possuem propriedades que viabilizam seu uso como um possível substituto do amálgama. Contudo, deve-se considerar que as resinas compostas ainda não substituem o amalgama do ponto de vista socioeconômico. Além disso, não podemos desconsiderar os potenciais efeitos tóxicos relacionados às resinas compostas. O BPA, um dos seus principais componentes, tem sido relacionado a diversos problemas de saúde incluindo doenças cardíacas, obesidade, diabete, alterações imunológicas e, principalmente, desarranjos hormonais. O último devido à capacidade de tal molécula de simular a ação de hormônios estrógenos ao ligar-se a receptores estrogênicos e endócrinos. Os cimentos de ionômero de vidro, por outro lado, parecem apresentar benefícios significantes tendo em vista sua capacidade adesiva, biocompatibilidade, certo grau de bioatividade e uma aparência estética favorável. Contudo, a necessidade de desenvolvimento ainda existe em termos de propriedades físicas, limitando a indicação desses materiais a casos de bases, selantes, tratamento restaurador atraumático, restaurações semipermanentes e restaurações permanentes em áreas de baixa carga oclusal incluindo, mais recentemente, restaurações de classe I e classe II de tamanho reduzido. Concordo com a ação da AIMOT contra a FDA, exigindo ações efetivas que limitem o uso do amalgama dental e que reclassifiquem tal material quanto aos riscos impostos à população. Porém deve-se levar em consideração que tais ações devem estar diretamente relacionadas ao desenvolvimento de um material que seja eficiente como opção restauradora, biocompatível e, especialmente nesse caso, acessível do ponto de vista socioeconômico.”

O professor da Ulbra, Alcebíades Nunes acrescenta: “admitir que o amálgama é um material substituível se ampara em fatos como o gradativo incremento do uso da resina composta e materiais cerâmicos em dentes posteriores, o apelo estético dos pacientes e ainda ao fato de que, embora a população continue aumentando, felizmente o índice de cárie vem diminuindo, o que se traduz em redução dos procedimentos de intervenção restauradora. No entanto, mais importante que cogitar a possibilidade de substituição de determinado material, é perseguir uma condição de saúde que mantenha a estrutura dental sem necessidade de substituí-la. Numa visão otimista, a grande expectativa da Odontologia é a obtenção de um índice de cárie zero e intervenção restauradora mínima restrita às fraturas dentais e lesões não cariosas. A prevenção é, portanto o maior recurso que pode impedir o uso não só do amálgama, mas de todos os demais materiais restauradores; não havendo motivo para utilizar determinado material, a sua proibição se torna inócua. Esta deve ser a aspiração primordial e constante da Odontologia. Na atualidade, conhecendo-se profundamente como se origina e se desenvolve a cárie, é inaceitável que ainda continuemos aprimorando formas de intervir e restaurar, quando o ideal seria o cuidado com a saúde dos dentes e não com a sequela produzida pela lesão cariosa”, finaliza.

Fonte: www.apcd.org.br


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