Publicado por Redação em Dental - 14/06/2011

A arte tribal do amor: as tensões que os lábios suportam

A fantasia sempre foi o elemento dominante na África. Podemos encontrá-la em suas paisagens naturais, que mudam continuamente diante dos olhos de quem percorre este vastíssimo continente.

Especialmente nos animais, quase inacreditáveis pela variedade de gêneros e espécies. Mas, sobretudo, encontramos a realidade da fantasia entre seus habitantes, ainda hoje divididos em uma infinidade de tribos, cada uma conservando, de maneira autônoma, sua própria característica, mantendo inalterados no tempo, seus usos e costumes.

O culto do próprio corpo, o amor pelos penteados e vestimentas originais, o gosto de enfeitar-se com objetos de todos os gêneros, há muito pertencem ao costume do povo africano, que possui extraordinário sentido de beleza e de expressividade.

O enigmático povo Mursi, um grupo étnico ainda muito primitivo, composto de 4 a 5 mil indivíduos, vive no sudoeste da Etiópia, região do rio Omo, habitada por uma notável quantidade de etnias que, não obstante a proximidade entre elas, conserva inalteradas as singulares características tribais.

Os Mursi dedicam-se ao pastoreio e à agricultura. Para se chegar a essa região, a principal via de acesso é esta: a travessia do rio Omo, o mesmo que presumivelmente foi testemunha de nossa origem. O homem moderno pertence ao gênero homo, que é um subgrupo da família dos hominídeos. A espécie que evoluiu para homo é provavelmente o gênero Australopithecus Afarensis, cujo exemplo mais famoso é “Lucy”, esqueleto de 3,2 milhões de anos, encontrado três décadas atrás e que reabriu uma série de novas interrogações sobre a evolução da espécie humana.

Dos estudos desse esqueleto, que se encontra atualmente no Museu Nacional de Addis Abeba, pode-se estabelecer que se trata de uma pessoa do sexo feminino e que presumivelmente teve morte provocada por mordida de crocodilo. De fato, o rio Omo conta com presença de grande número de tais répteis.

As mulheres Mursi são altas, exibindo perfeitas proporções corporais. Costume tribal, elas se submetem a uma prática extremamente dolorosa que é a perfuração do lábio inferior onde ostentam impressionantes pratos. Mas que motivo instiga ou leva essas mulheres a suportarem semelhante suplício?

As explicações são contrastantes e de certa forma confusas. A mais provável parece estar ligada à sua beleza. No entanto, parece realmente que em idos tempos a mulher Mursi era a preferida dos mercadores de escravos. Para encontrar um modo de salvar suas mulheres, os Mursi impuseram a perfuração do lábio, uma vez que assim deformadas perderiam o valor. Com o passar do tempo, os homens da tribo não só se habituaram com a deformação da companheira, como passaram a admirar o seu novo visual, a tal ponto de considerar o procedimento um indispensável fascínio feminino.
Pode estar aí explicado o motivo pelo qual nenhuma mulher Mursi se opõe, ainda hoje, a tal prática.

Perfuração do lábio

A operação é efetuada no inicio da puberdade, geralmente em torno dos 9 a 10 anos de idade. O lábio inferior é furado com uma ponta metálica e nele é colocado um cilindro de madeira para impedir o fechamento do músculo durante o processo de cicatrização, que demora de 6 a 8 semanas. No curso dos meses seguintes, procura-se alargar, cada vez mais, o buraco, substituindo-se progressivamente o primeiro cilindro de madeira por outro de diâmetro maior, de tal forma que o lábio distende e estica para que se possa introduzir neste espaço o prato labial feito de argila que, depois de muitos anos, pode atingir 20 a 22 mm de diâmetro.

O outro aspecto devastador desta prática é a remoção dos dentes incisivos inferiores. A extração desses dentes é necessária por dois motivos: para favorecer o encaixe do prato, já que o espaço útil é aumentado no interior da cavidade bucal e, sobretudo, para evitar o contato dos dentes de cima com o corpo estranho -o prato- que além de ser desconfortável ainda provoca dor.

O resultado dessa agressão é que a ausência dos incisivos provoca nas mulheres graves problemas na fala, com relativa distorção da linguagem. Naturalmente fica comprometida também a função mastigatória, complicando de modo notável e dramático a execução das mais elementares atividades fisiológicas, como a função de comer e beber, ou seja, o ato de mastigar, deglutir e, finalmente, nutrir-se.

Prestígio e consideração dos pratos mais volumosos

Não obstante o surgimento destes graves problemas, as Mursi são extremamente orgulhosas dos seus pratos e se comparam numa silenciosa competição em ostentar os discos mais volumosos. É natural que, com o aumento do diâmetro do disco, diminui a possibilidade do cordão labial suportar o peso do prato que passa da posição horizontal para a vertical, balançando para baixo.

Mas até este inconveniente é o preço que se paga para se conquistar um posto elevado na hierarquia tribal, adquirindo-se prestígio e consideração entre os seus pares. Os homens Mursi, além disso, são irresistivelmente atraídos pela desmesurada dimensão de um lábio perfurado e por esse motivo as mulheres praticam todo o tipo de exercício possível para aumentar sua circunferência e atrair assim a atenção masculina.

Exceto as mulheres idosas, dificilmente se surpreende uma Mursi sem o prato labial, pois é considerado um gesto descortês e mal-educado apresentar-se em público com os “lábios vazios”, sobretudo diante de estranhos.

Assim, é surpreendente constatar dois fatos distintos: a capacidade de elasticidade e adaptação do músculo labial e a impressionante realidade que, em pleno século XXI, ainda existe, tomando a forma de hábitos e costumes primitivos.
De fato, na África, ainda persistem grãozinhos de fantasia.

Fonte: odontologika.uol.com.br | 14.06.11


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